269-PASSEIO DE BIBICLETA-Suspense

A tarde de sábado estava convidativa para uma atividade fora de casa. Era a primeira tarde de estio, após quinze dias de chuvas quase ininterruptas. Todo o mundo ansiava por sair, caminhar, correr, pedalar, nadar, enfim, aproveitar aqueles momentos de sol e calor.

Vicente e as duas filhas, Laís e Luíza, mais a sobrinha Júlia, saíram pedalando na direção da Lagoa da Pampulha, onde uma turma de ciclistas os aguardava. Partiram da igreja de São Francisco e foram pedalando na direção do Zoológico, de onde voltariam. Um percurso curto, apropriado para todos, homens, mulheres e muitos garotos e garotas. À frente do grupo ia Alencastro, monitorando e, atrás, Vicente era o último, observando e animando os retardatários.

Alcançaram um grupo de caminhantes, todas uniformizadas com camisetas de um evento pedestriano. Os pedestres abriram alas para a passagem dos ciclistas. Passaram lentamente, para, em seguida, retomar o ritmo normal, moderado.

Nessa mistura de caminhantes e ciclistas, Júlia adianta-se e ultrapassa Alencastro. Sem perceber nem ser notada, toma a dianteira. Daí a pouco, está bem adiantada. Tão adiantada que, pós uma curva acentuada, não vê mais os companheiros. Tenho de ir depressa para alcançar minha turma.Pensando estar atrasada com relação aos demais companheiros, pedala e pedala. Passa, sem ver, pela pequena pracinha do Zoológico, sem saber que ultrapassara o ponto de retorno.

Quando a turma chegou ao ponto final combinado, todos estavam ainda animados. Espalharam-se pela grama, sentando-se, tomando água das garrafas que portavam e conversando alegremente. O exercício fora bom para o humor de todos. Vicente chegou com dois ou três garotos que tinham ficado para trás. Alencastro, de modo brincalhão, começa a contar as crianças.

— É a única maneira de conferir a garotada. Um, dois, três...cinco...dez...doze. Doze? Cadê o décimo terceiro? Tá faltando o azarão? — Reconta as cabecinhas irrequietas. — Doze! Tá faltando um. Tá faltando uma criança.

Alguns gozaram a contagem, outros se assustaram. Conta e reconta, os adultos conferem os respectivos filhos e amiguinhos. Luiza é a primeira a notar a falta da prima:

— Tá faltando a Júlia!

O vozerio confuso que se seguiu em nada contribui para esclarecer a situação. Alencastro jurava que à sua frente a menina não passara.

— Pra trás também não ficou — Afirmou Vicente.

Um princípio de pânico se estabeleceu.

— Calma, gente. Calma. — Vicente, responsável pela sobrinha, era o mais preocupado. — Vamos agir sem afobação. Ela deve estar por perto, de certo parou em algum quiosque para descansar e não vimos. Vamos fazer o seguinte: vocês ficam aqui, com o Alencastro. Volto até a igrejinha da Pampulha, de onde partimos, e verifico todos os locais em que ela possa estar. O Alencastro vai ali no posto policial do Zoológico e comunica o desaparecimento.

Vicente toma um táxi. No percurso, comunica-se com Alencastro, pelo celular. Passam devagar pelos quiosques e vendedores de sorvetes, água-de-coco e refrigerantes. Pára e pergunta pela menina. Ninguém dá sequer uma pista. Chega ao ponto inicial, de onde a turma havia partido. Desce do táxi e entra em seu próprio carro, retornando, ainda devagar e observando.

A preocupação toma conta de todos, adultos e crianças. Estas, sem comedimento, levantam tétricas hipóteses.

— E se ela caiu na represa?

— Ah, ela sabe nadar.

— Pode ter sido raptada.

— Cala boca, menino, deixa de falar besteira.

Mas as crianças expressam as preocupações de todos. Mais de uma hora de expectativa já se passara. Vicente chega, reencontra o grupo. Ricardo telefonou para sua casa e avisou a mulher, que, por sua vez, saiu no seu próprio carro, à procura da menina, pelas ruas do bairro Bandeirantes. A ninguém ocorreu pensar que Julia teria se adiantado da turma, afinal era a garota mais nova de todo o grupo.

Alencastro sai pedalando, entra pelas ruas e avenidas adjacentes. Quando volta, desanimado, já se passaram quase duas horas de procura e desespero.

O velho vê a garotinha em soluços, sentada na grama, ao lado da bicicleta.

— Que foi, menina? A bicicleta quebrou?

— Quebrou, sim.

— Você está sozinha?

— Perdi a minha turma. E não sei voltar pra casa. — responde, entre soluços e lágrimas.

Muitas pessoas caminhando, outros tantos ciclistas transitando pela área, nas proximidades do Museu de Arte, onde a avenida perimétrica da lagoa chega ao final, na barragem da represa. A estreita faixa de grama que margeia a lagoa desce numa rampa até a água. O velho observa o joelho esquerdo da garota, evidentemente esfolado ao cair da bicicleta. Pior que o ferimento é a menina estar perdida.

— Como é seu nome?

— Júlia. — A menina responde entre soluços. A face está molhada de lágrimas, os cabelos curtos agarrando-se ao rosto moreno.

— Eu sou Joaquim. Vovô Joaquim. Ela está apavorada. Quantos anos terá? Dez, onze anos, talvez. Vem comigo, vamos ver esse joelho.

Júlia se levanta, passa as mãos no rosto, alisa os cabelos. Pega a bicicleta, cujo guidão está travado.

Atravessam a rua, ela puxando a bicicleta, na direção de um vendedor de coco verde.

— Mané, me dá um pouco de água, a menina esfolou o joelho. — Lava o joelho da garota. — Pronto! Agora, vamos tomar uma água de coco e depois vamos ao posto policial, aqui perto. — Deixa a bicicleta aqui com o Mané, depois a gente pega.

De mãos dadas, lá vão Joaquim e Júlia. Chegam à guarita policial e Joaquim diz ao guarda que Júlia não sabe o rumo de casa.

O homem fardado toma o walk-talk.

— Atenção, todos os vigilantes, atenção! A garota Júlia foi encontrada. Está no posto da Barragem. Aparentemente está bem. Peço retorno dos colegas.

A mensagem, recebida pelo soldado Procópio, empenhado na busca da menina desaparecida, foi logo transmitida ao tio da garota. Encontrava-se, novamente, com a turma, defronte ao Zoológico, no fundo da barragem, ponto marcado para retorno. Distante, mais ou menos, quinze quilômetros do local onde Júlia fora encontrada.

ANTONIO ROQUE GOBBO

BELO HORIZONTE, 17 DE JANEIRO DE 2004

CONTO # 269 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 02/07/2014
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