Conto do matador (1) - Prelúdio ao fim da noite

Em meados daquele século ao qual não ouso expor por pudor as repercussões, cavalgando pelas redondezas de Bella Cruz del Proa, vinha Dom Alfredo de Barbatana, montado em seu alazão premiado, adquirido em mais uma de suas incontáveis matanças feitas por diversão. Quando avistou, em meio a relva da noite morna de outono, uma imagem que tão cedo não lhe sairia dos atordoados pensamentos.

A princípio ele não conseguiu com clareza identificar o que seria, mas, o tamanho da criatura, junto a forma humana que via o fez definir, provavelmente, se tratar de uma criança, com mais ou menos uns 3 anos de idade. Estava abandonada entre as folhagens amareladas que caiam das árvores do local, onde não se avistava, a menos de 60 km, qualquer habitação. Mesmo com seu repertório de ações que totalizavam-se à direção de vaidades e maldades inconfessáveis, sentiu a curiosidade atraída para aquele ser, sem qualquer fim maléfico.

Notou que os fios do cabelo eram de tons rosados, e estes, espalhados pelo rosto, de comprimento ate quase o queixo, deixavam visível apenas os lábios em teu rosto, tão avermelhados quanto sangue vivo, o que intrigou-o mais ainda. Nunca, em toda a vida de Barbatana, com suas inúmeras andanças, havia visto algo parecido, ou ao menos sentido o que a mera visão daquele ser o provocava. Em anos, desde a sua primeira idade, quando seus pais foram estraçalhados à sua frente numa tentativa Cardavenga (dos provincianos do norte) de dominação da antiga província do sul, Sarbarova, onde nascera e ate então vivia, não se recordara de em momento algum ter sentido despertar em si sentimento referente a palavra compaixão. Era como uma inesperada e inimaginável onda o afogando, tanto que, em uma expressão de total perplexidade, viu-se tocado por uma lágrima que descia, escorrendo pelo seu olho esquerdo. Levou imediatamente uma das mãos a face, passando os dedos por aquele liquido que quase não reconhecia. Prendeu-se, meio boquiaberto, por alguns segundos, olhando e analisando o conteúdo em seus dedos, enquanto esfregava-os levemente, como quem não acreditava no que sabia que era.

Em transe pela explosão das diferentes emoções e sensações que o tomavam, desceu do seu vistoso cavalo, o Margento e, lentamente, como quem explora o desconhecido, um pouco curvado, com a mão direita recostada sobre uma espécie de adaga - relíquia da Idade dos Metais que sempre leva presa a cintura, -mais por hábito do que por qualquer intenção de retirá-la, aproximou-se do pequenino, a cada milimetro de distância a menos, mais impressionado e confuso com o que via. A lua parecia inclinar-se em posição de clarear o momento que sucedia e conforme iluminava o pequeno, pode-se ver mais nitidamente a sua figura a qual, palavra alguma conseguirá, nem daqui ate a era do fim dos continentes, com fidedignidade, caracterizar.

Lipa Leal
Enviado por Lipa Leal em 07/08/2014
Reeditado em 31/08/2014
Código do texto: T4913765
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