No Bar do Tolo

Os Bovers iam jogar essa noite. Pelo menos não iria ser um tempo totalmente perdido sentado naquele lugar. Eu andava calmo e sem pressa, já não havia mais necessidade disso, minha aposentadoria estava próxima, assim que meu substituto acabasse o treinamento.

- Ei, Tolo, liga o monitor que eu quero ver o jogo de hoje - disse quando entrei no bar.

- Tolo não é mais dono do bar - disse um sujeito atrás do balcão. Ele era um cara normal.

- Ele vendeu?

- Não, morreu. Eu sou Jaime, primo dele. Vou ficar com o bar temporariamente.

- Morreu de que? - perguntei, um pouco nervoso.

- Ele gostava de comer durex, fita adesiva, esparadrapo, essas coisas. Um dia a máquina não aguentou mais. Colapsou.

- Você gosta de comer papel crepon?

- Não.

- Então me de uma bebida de losna. Você deveria pensar em mudar o nome do lugar.

- Bar do Jaime? - disse ele enquanto servia a bebida - É um bom nome. Talvez.

Eu mantive a gola do meu sobretudo erguida. Não era confiável abaixá-la. Algumas pessoas abaixavam a gola no Bar do Tolo... ou Bar do Jaime, agora. Mas eu sempre a deixei levantada, não queria atrair suspeitas. Às vezes é melhor não ver o que se passa ao seu lado, como um cavalo.

Meu trabalho era espionar. Tinha que vir a esse lugar duas vezes por semana, às terças e sextas, toda semana. Eu era um espião e não me orgulhava disso. Mas os Caledenses pagavam bem. Mais do que eu merecia.

Dois fulanos entraram no corredor do banheiro, era ali que tudo acontecia. Mas eu não fui atrás deles, ainda estava muito cedo, não era hora de incomodar a promotoria. Melhor esperar que a noite se desenrole um pouco mais.

Minha função era somente observar. Fazer vídeos de reconhecimento que eles usariam sei lá para quê. Mas de algum modo os frequentadores do Bar do Tolo atraíam suspeitas. Nunca achei ninguém por aqui que me fizesse ganhar uma promoção, mas eles insistiam que o ponto de partida era esse.

Os traficantes de terra. A pior escória do universo conhecido. Jamais avistei um deles, e se vi, não soube reconhecer. A agência de espionagem nunca te ensina a reconhecer ninguém, pois você pode por tudo a perder caso saiba quem são os inimigos. A melhor forma de espionar é ser um ignorante na multidão.

Eu trabalhei mais de vinte e cinco anos nesse lugar e até onde eu sei nenhuma semente foi traficada para Palatins durante esse tempo. Mas nunca recebi um elogio sequer. Não que eu ligue para isso, afinal de contas eles me pagam e pagam bem para que eu não faça perguntas. Ergui mais um pouco a gola do sobretudo. A noite iria ser longa.

- Ei, Jaime. Mais uma losna, por favor.