MINHA CARA

Seria relevante contar-lhe sobre minha vida. Não. Não quero que sinta-se amedrontado com meus estrangulamentos. Juro que sou um cara legal. Passeio com os cães do bairro e até brinco com crianças na praça. Minha única particularidade é o prazer do grito. Convenhamos que todos temos particularidades. Digo isso por notar diferentes tipos de gritos de dor. Por exemplo, alguns poupam a maior nota para o final, outros intercalam entre o grito entre os dentes e aquele que vem lá do diafragma. Confesso, porém, que prefiro o grito desesperado, aquele incessante durante todo meu trabalho.

Mas não foi porque me cansei do prazer que resolvi me entregar à polícia e escrever-te, Minha Cara. Há um mês, pouco depois de eu notar sua existência e decidir que queria ouvir o seu grito, vi em sua face um olhar predador. Tal olhar fez-me sentir como minha própria presa. Ali estava eu, numa profusão de sentimentos conflituosos: “Ou ataco, ou sou atacado!”. A minha pequena sala jamais fora tão menor. O sentimento de medo agora era maior do que a beleza do desafio.

Enquanto meu corpo se imobilizava com tais sensações, minhas mãos ligavam para a polícia e minha boca me denunciava. A lógica do ato? A prisão seria a minha salvação!

- Olha o que chegou para o pequeno psicopata... Seu espelho! – disse o carcereiro mostrando-me o objeto. Ali, pude perceber que já não estava mais salvo: o objeto mostrou-me, mais uma vez, a face de minha vítima.