609-A CHAVE QUE VEIO DO ALEM-O Mistério continua

Continuação do conto anterior..

Os leitores hão de se lembrar das estranhas circunstâncias em que me vi envolvido na noite de Natal de 1968: um envelope me foi confiado por misterioso ser (Homem? Fantasma? Alma do Outro Mundo?) com a incumbência de ser entregue num endereço nele sobrescrito.

Se você não leu, é bom que leia a história Pavor na Rodovia na noite de Natal, para se inteirar dos fatos ali registrados, e cujo desfecho segue-se com fidelidade.

Bem, tudo se explicou (de forma muito estranha) quando, no dia seguinte, procurei o endereço sobrescrito no envelope.

Ficava do outro lado da cidade, num bairro de classe média. Fui na parte da tarde, pois não ficava bem eu chegar de manhã, sabendo que todo mundo tinha ido à Missa do Galo e, portanto, dormia até avançada a manhã.

Fui atendido por uma mulher de feições muito tristes. Vestia modestamente e calçava chinelos de dedo.

— Bom dia — fui dizendo. — Tenho uma encomenda para ser entregue neste endereço. Mas não diz para quem é.

— Encomenda? Não estou esperando nenhuma encomenda? — A voz triste e baixa revelava muito sofrimento. — O que é? Quem mandou?

Não quis contar a história que para mim era um tanto fantástica. Apenas mostrei o envelope e respondi:

— Recebi este envelope com a incumbência de trazer até este endereço e...

— Moro sozinha desde que meu marido morreu. Então deve ser pra mim.

Entreguei-lhe o envelope. Ela segurou-o, sem jeito, aparentemente sem saber o que fazer. Olhou pra mim com aqueles olhos tristes e disse:

— O senhor não quer entrar? Vou lhe servir um café.

Confesso que estava intrigado. Agora ainda mais, com s história de ser viúva e morar sozinha.

— Aceito, sim, um café, se não for incômodo.

Entrei e ela me indicou uma cadeira. Sentei-me. Ela colocou o envelope sobre a mesa e foi para dentro. Voltou em seguida com uma garrafa térmica de café e duas xícaras. Silenciosamente, encheu as xícaras e sentou-se em outra cadeira, do lado oposto da mesa.

— Parece que tem alguma coisa de metal aí dentro. — Eu disse, após a primeira bebericada de café.

— Sim... — A mulher não mostrava nenhuma vontade de abrir o envelope na minha presença. Nada conversamos durante alguns minutos.

Acabei de tomar o café e levantei-me para despedir-me.

— Não, por favor, não vá agora. Fique... Vou abrir o envelope.

Sentei-me de novo, enquanto dizia:

— A senhora não precisa me mostrar o que está aí dentro.

Tomando o envelope, olhou-o de um lado e do outro, e, de repente, abriu, rasgando uma borda. Chacoalhou e dele caiu uma chave chata e pequena.

Ela não mostrou surpresa. Eu, sim, fiquei intrigado, mesmo porque me lembrei do estranho indivíduo na rodovia.

— Meu marido... — ela falou — Meu marido morreu. Ontem fez um ano.

Um arrepio correu minha espinha.

— Sinto muito. — Eu disse. — Como ele morreu?

— Desastre. Era chofer de caminhão. Saiu da estrada na Curva da Morte, pra lá de Cuiabá.

Mais mistério. Foi no local onde meu carro enguiçara, na noite anterior.

— A senhora não tem filhos?

— Tenho dois, eles moram fora. Eu fiquei aqui, sozinha.

— Bom, então, se a senhora precisar de alguma coisa, moro do outro lado da cidade. — Estendi-lhe meu cartão e já me levantando novamente.

— Não, o senhor fica. Esta chave é a chave do baú do meu marido. Vou lhe mostrar.

Fiquei desconcertado, Agora já era entrar demais no mistério, o que eu não queria, realmente.

— Por favor, me ajude arrastar o baú. Ele está debaixo da minha cama e é pesado.

Não tive como negar. Ela foi na minha frente e entramos no quarto. A cama de casal era alta, estava bem arrumada, com uma vistosa colcha de retalhos. Ela levantou a beirada da colcha e logo vi a alça de uma caixa de metal

Agachei-me, pegue a alça e arrastei a caixa. Era um baú de metal, muito bonito, com cantos dourados e adornado com peças prateadas nos lados e na tampa. Devia medir uns trinta centímetros de altura e a tampa teria quarenta de largura por outros trinta de fundo. Pesada.

— Meu marido era muito econômico. Trabalhava muito, não deixava faltar nada em casa, e mesmo assim, economizava bem. Sempre me dizia: é pra quando a gente ficar velho e eu não puder mais trabalhar. Ele guardava as economias aí nesse baú.

Ela ia me contando a história do marido como se sentisse necessidade de falar. Aos trancos, as frases curtas e concisas. Talvez nunca tivesse falado com ninguém depois que o marido morrera.

— Nunca me falou quanto tinha aqui dentro. Eu nunca quis saber. Mas quando chegava de viagem, a primeira coisa que fazia era ir ao quarto. Guardar o ganho da viagem no baú. Só depois é que vinha me abraçar e beijar as crianças.

Ela pegou a chave e inseriu na abertura do baú.

— A gente nunca ficou sabendo onde estava a chave.

Ela olhou pra mim e deu uma volta e a tampa abriu, num estalo.

Eu olhei pro interior da caixa e vi: atulhado até a boca, o baú estava cheio de pacotes de notas de mil cruzeiros, bem arrumados, com as cintas de papel como se tivessem saído do banco e vindo diretamente para aquela caixa de metal.

Era muito dinheiro e nem me atrevo a calcular o quanto seria. Uma fortuna, sem dúvida.

A mulher também se espantou.

— Nossa Senhora! Quanto dinheiro!

Assustando e não querendo mais me envolver naquela história, levantei-me com decisão:

— A senhora está milionária. Tranque este baú e chame seus filhos.

Saí do quardo com determinação. Ao passar pela sala, peguei meu cartão que estava sobre a mesa, ao lado do envelope, e o coloquei no bolso do meu paletó.

— Tenho que ir, minha família me espera. Boa tarde.

Só ao entrar na Vemaguete, percebi que, não tendo declinado meu nome, não fiquei sabendo o nome da mulher nem de seu marido misterioso que me usara para devolver a chave do baú — e da fortuna — à sua esposa.

Menos mal, pensei. Assim, ela não sabia quem eu era e eu não queria saber quem ela era.

Não queria saber de mais nada relacionada com aquele mistério. Mas estava totalmente equivocado. Ainda iria ter muita surpresa.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 30 de maio de 2010

Conto # 609 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Continua:

Ver conto 610 – Uma Fortuna Misateriosa

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 29/12/2014
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