O Vale do Suicídio.

Era uma noite calma e iluminada pela lua cheia que brilhava forte no alto do céu estrelado. O fato de não haver luz elétrica em um raio de cinquenta quilômetros tornava o lugar ainda mais belo após o por do sol. Se você pegasse a rodovia certa, entrasse na estrada de terra certa e depois se você andasse pela trilha certa sairia em um penhasco. No meio dele existia o começo de uma ponte que mais se assemelhava a um trampolim para os desafortunados.

Marcos percebeu que seus pés pararam de tocar a terra batida e começaram a pisar em pedras irregulares, levantou a cabeça e sentiu um vento forte em seu rosto, com a ajuda do brilho lunar avistou o penhasco que estivera procurando nas últimas horas. Passos incertos o conduziu até o começo da ponte inacabada.

- Acho que você não deve fazer isso. – sussurrou uma doce voz.

Um frio percorreu a espinha de Marcos fazendo os pelos de sua nuca se arrepiaram. A ideia de encontrar alguém naquele lugar nem passou pela sua cabeça.

- Quem está ai?

- Oi meu nome é Fernanda, mas todos me chamam de Nanda.

Três passos atrás de Marcos estava parada uma pequena garota com não mais de doze anos e não menos que nove. Sua pele branca refletia a lua, seu cabelo cacheado e seu sorriso sincero lhe davam um ar estranhamente angelical. Fernanda usava um vestido azul claro que descia até os joelhos.

- Quem é você? – Indagou o atônico Marcos.

- Eu já disse, eu sou a Nanda e você quem é?

- E o que você faz aqui?

- Às vezes eu passeio por aqui. Mamãe disse que é falta de educação não responder quando alguém pergunta seu nome.

- Me chamo Marcos.

O homem decidido começou a duvidar. A simples presença da menina fez Marcos sentir um pequeno abalo em sua férrea determinação.

- Você não deveria fazer isso? – Sussurrou a garota.

- Isso o que?

- Pular.

Marcos havia tentado se matar em outras ocasiões. Comprou uma arma de fogo, mas no momento final seu dedo hesitou. Comprou veneno e não teve coragem beber. Pegou uma faca, mas não fez o corte frio. Queria se matar, mas não conseguia. Com uma pesquisa na internet descobriu o Vale do Suicídio, descrito como o descanso dos desafortunados.

- E você não está aqui para pular? – rebateu Marcos.

- Não. Não quero pular. – uma lágrima escorria enquanto a menina falava – por que você quer pular Marcos?

A pergunta da garota foi como um punhal entrando no peito do homem. O peso da dor e da tristeza do último ano caiu sobre seus ombros.

- Preciso me sentir livre outra vez garota.

- Pulando você ficará mais preso do que nunca. Pense na sua família.

Um câncer cerebral colocou um fim ao feliz casamento de Marcos. Após a morte de sua esposa ele nunca mais encontrou a felicidade que experimentou ao lado de Carol. O sonho do casal era ter filhos, após várias tentativas mal sucedidas de inseminação artificial eles resolveram entrar na fila de adoção, foi no auge da expectativa de ter um filho que a noticia da doença caiu como uma bomba em sua vida. Seis meses depois Carol veio a óbito e o Mundo de Marcos ruiu. Sem vontade de ver a luz do sol ele foi se tornando um ser recluso e fechado em sua própria tristeza, aos poucos se afastou dos amigos e familiares. Há três meses atrás pediu as contas no emprego e mudou de cidade sem avisar seus conhecidos.

- Pulo para encontrar minha esposa – lágrimas desciam pelo rosto do homem.

- Se você pular sua esposa ficará mais distante de você – Falou Nanda em voz alta.

- Você nem me conhece, você não sabe o peso de ser eu.

- Eu sei exatamente o que você está sentindo e posso afirmar que não vale a pena pular – Gritou a pequena garota.

Marcos fechou os olhos e deu um passo a frente, uma forte brisa tocou seu rosto e o fez se lembrar dos afagos que Carol lhe dava a noite enquanto assistiam qualquer coisa na TV. Outro passo e o vento sussurrou em seu ouvido o nome de sua amada. Terceiro passo, um medo se instalava em sua mente, mas algo o empurrava mesmo assim. Último passo e seus pés não acharam a madeira sólida, seu corpo pareceu flutuar por um instante e depois cair com toda a pressão gravitacional em cima dele. Marcos abriu os olhos e sentiu medo, tristeza e arrependimento.

Aqueles que pulam no vale do suicídio ficam presos em um mundo de dor e medo, todo dia sentem seu coração se dilacerar, clamam por morte ou misericórdia e elas nunca vêm. O suicida fica sem contato com qualquer outro ser, ele escuta gritos, mas não sabe de onde vem. Em todo segundo que passa nesse lugar ele se arrepende de ter pulado. No aniversário de sua morte aqueles que pularam tem uma chance de reverter sua situação. O suicida volta para a beira do penhasco e se ele convencer uma pessoa a desistir de pular ela ganha a misericórdia que tanto clamou no último ano. Fernanda já teve dez tentativas para evitar que alguém pulasse e falhou em todas. Marcos anseia desesperadamente por sua primeira oportunidade.

Alex da Silva
Enviado por Alex da Silva em 24/03/2015
Código do texto: T5181914
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