Por trás da PENUMBRA

Caminhava de volta para casa depois de um dia estafante. A bota sapateava o toc-toc contra a calçada. Que respondia lamentosa sobre a caloria que suportou o dia todo sem tomar um gole de água sequer. Noite esquisita. Passo pelo beco iluminado pela penumbra. Passagem lúgubre e assustadiça. Obrigatória. Único estreito de acesso à minha casa.

Sigo inebriado pelo medo. Arregalando os olhos e procurando a posição de minha sombra ofuscado por pensamentos assombrosos, uma silhueta de meia altura pôde ser vista. Indecifrável!

Ao me ver, mexe-se. Susto apenas? Lembro que em época de semeadura, plantaram por ali, não sei exatamente onde, cruzinhas com nomes enlaçadas com coroas floridas. Claro que foi por ali; sinto medo medonho, mas não estou nem mais e nem menos louco. Tento afugentar isso da mente, que reluta em dispersar os pensamentos. O medo cria monstros; enquanto que a realidade faz com eles devore-me.

O medo foi às alturas enforcando-me os passos. O sorriso então?...Engasgado! Um passo à frente, dois para trás. Tenho que chegar. A claridão da noite espera-me para refrigerar os pensamentos. Com muito custo, com a cara virada para o outro lado e vendo de soslaio, transito quase ao lado da penunbra. É tudo ou nada. Minhas pernas sobem à boca.

Continuo imaginando o que poderia ser aquilo. Enrolado como cipó em tronco de árvore. Grande demais para ser cobras encaracoladas. Grudados. Indefinível. Três passos à frente ouço: "Segura aí! Dá um tempo! Agora não, está passando gente e não é ele. Fique tranquilo que dessa noite não passa. Vai valer a pena e o jorro de sangue será a minha dose de veneno. Cicuta enlouquecedora do diabo. Um gole e a lembrança para o resto da vida".

- Dá vida ou da morte?

O galope foi contagiante e ofegante! Enquanto eu correr eu me tenho. Praticar esportes serve é para isto; mas o medo foi aterrador e nada agradável ao coração. Quem está marcado para tomar a dose enlouquecedora de cicuta, além do diabo? Que cor teria ela? Foi o que pensei naquela noite que tentei dormir, mas acabei passando-a em claro. Qualquer pio, além dos arrepios, puxava sobre a cabeça o cobertor.

Aaai!... não, não sou eu! Por favor, não...hummm!

Depois de uma sórdida e tenebrosa noite de longos minutos, por sorte o dia clareou com os raios de sol zombando e iluminando os quartos; menos um, razão pela qual a cama dormiu vazia, arrumada e com tudo rigorosamente no lugar. Ninguém apareceu para espojar o corpo sobre ela. Na casa, silêncio absoluto!

Em contrapartida, logo cedo os auto-falantes da igreja tocavam uma música causando curiosidade, pânico e furor à cidadela. Ali todos conhecem o escarrar de cada um e um espirrinho mínimo é sinal de pneumonia. Em certos casos acolhem dando assistência; em outros, olham o acontecimento de longe. Um musical gregoriano de cada vez nos auto-falantes da igreja.

PS.: (Caso interessem, continuo o conto)

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 23/06/2015
Reeditado em 24/06/2015
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