O Corredor da escola

Tia tamires estava preparando o lanche dos alunos do EJA como faz toda noite na escola pública E.E. Sargento Celestino na zona leste de são Paulo.

A sorridente e roliça senhora ruiva de rosto sardento e olhos castanhos não se queixa do trabalho. Tem apenas o ensino fundamental mas é mais sabia que doutores formados, sendo uma mulher do povo, viúva e mãe de dois filhos que são tudo para ela.

Tia tamires já tinha acendido o fogo e colocado o macarrão pra cozinhar, abriu a porta e tirou o lixo pra fora quando percebeu um vulto sentado na última das seis fileiras de mesas do refeitório. Com um capuz escuro e o corpo reclinado parece chorar com as mãos segurando o rosto.

Tia tamires não consegue ver bem por que a luz do pátio fica apagada à noite por contenção de custos e ela sente um arrepio. Normalmente correria pra ajudar algum aluno em apuros, mas seu instinto lhe diz para não ir.

- Ô moço? Não pode ficar aí não. Tem que ir pra sala.

A figura de roupas escuras fica ereto imediatamente. Olha devagar na direção de tia tamires e ela não consegue evitar o grito.

- valha me Deus!

Corre de volta pra cozinha e tranca a porta.

No segundo seguinte sente a tranca se mexer.

Tia tamires sente um frio intenso e corre pra pegar o celular. Liga para o inspetor desesperadamente.

- Carlão! Ô Carlão pelamordedeus vem cá, tem um homi estranho aqui!

Alguns poucos minutos depois escuta passos no corredor e a voz grossa de um homem a chama.

- Dona tamires? Pode abri a porta. Não tem ninguém no pátio não. Quem quer que estivesse já foi.

A senhora abre a porta olhando cautelosamente para os lados. Aquela é uma comunidade violenta e muito antigamente a região do colégio era uma área de desova de corpos.

O comentário na escola é geral, sobre o invasor que deve ter pulado o muro.

- Ah. Devia ser um nóia. - disse uma professora.

Logo o assunto foi esquecido.

Semanas depois tia tamires estava preparando uma salada enlatada quando resolve ir até a despensa e pegar mais uma lata de milho em conserva.

Com o canto do olho, tia tamires detecta uma presença e na segunda fileira de mesas a mesma figura parece chorar. A mulher grita e a figura para de chorar levantando a cabeça.

O rosto muito pálido.

A mulher corre imediatamente e tranca a porta. Maçaneta gira imediatamente sem abrir.

Ela grita e pega o celular ligando para o Carlão. novamente acontece toda a discussão sobre como a sociedade está degradada e tempos depois o assunto novamente foi esquecido.

Passam-se meses e certa noite fria dona tamires, já não tão sorridente, pois vive apreensiva e nervosa, ela prepara uma salada de legumes enlatada para os alunos do eja quando precisa de mais condimentos. Abre a porta aos poucos e não vê o vulto escuro. Aliviada, vai até a despensa e pega mais coloral voltando para a cozinha.

Quando coloca a mão na maçaneta sente o coração congelar.

Na entrada do corredor escuro. Na primeira fileira de mesas.

Ele está lá.

Chorando em silêncio. Mãos no rosto.

Ela engole o grito na garganta, fazendo um som de estralo seco e ainda assim ele parece escutar, pois se senta em uma posição ereta virando a cabeça lentamente na direção da tia tamires.

Os olhos dele são opacos, como se a não enxergasse realmente e ele faz algo inédito. Estende a mão.

A senhora deixa o coloral cair no chão e invade a cozinha imediatamente. Quando ela bate a porta algo a puxa de volta e por alguns instantes de terror ela acha que não terá forças suficiente para manter a porta fechada mas finalmente consegue fechar o trinco.

A maçaneta se move violentamente e para.

Tamires está histérica.

Nesse dia deu polícia, revistaram toda a escola e o entorno. Nada.

A pobre merendeira teve um colapso nervoso e ficou afastada por alguns meses, mas acabou voltando.

Ficou pouco tempo na escola. Pediu transferência e acabou em uma emei onde servia os pequeninos de cinco a sete anos.

Pouco a pouco a mulher nervosa e irritadiça foi dando lugar a antiga tia tamires adorada pelas crianças e funcionários.

E ela só sentia algum desconforto indo para casa à tarde quando passa na frente da E.E. Sargento Celestino. Nunca mais voltou àquela escola e pelo que sabe ninguém mais teve problemas naquele lugar.

São Paulo anda seco neste momento o que causa muitos problemas como falta dágua e até blecautes.

Tamires está lavando a louça quando a luz acaba. Ela toma um susto e começa a procurar velas quando escuta a maçaneta da porta se mexer.

Seu coração sobe até a boca.

Ela volta para a cozinha e vê a porta entreaberta. Medo.

Pega silenciosamente uma grande faca de corte e percorre todos os cômodos da pequena casa.

Ninguém.

Tia tamires suspira aliviada e Tranca a porta.

Quando se vira dá de cara com o homem.

Homem?

Os olhos negros e opacos que nem pareciam vê-la. Ele a agarra pelos pulsos e tamires percebe finalmente seu erro.

Ele não é um viciado ou bandido.

Ele abre a boca negra como a escuridão, escancarando-a de uma maneira que uma pessoa não consegue e pronúncia uma única palavra com som gutural.

- Fooooome.

Fim

la vida es sólo un sueño en la realidad de la muerte ...

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 18/10/2015
Código do texto: T5419260
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