ACIDENTE OU JUSTIÇA?

Cristopher era um jornalista que viajava muito e praticamente não tinha um endereço fixo devido a sua profissão.

Andava de estado em estado, cidade em cidade para obter alguma notícia que lhe tirasse do anonimato.

Foi quando parou por um tempo numa cidade do Vale do Paraíba, lugar quente, abafado, aparentemente pacato, mas que envolvia muitas histórias interessantes.

Nos arredores existiam muitas fábricas, principalmente pelo fato de fazerem ligação com uma rodovia que ligava Rio-São Paulo, a Presidente Dutra.

Hospedado em um hotel de terceira, logo fez amizade com as pessoas dali, haviam moradores e também viajantes, entretanto um certo morador chamado Sebastião, já idoso, morava ali por não ter mais ninguém da família em vida, fez amizade com ele contando-lhe os tantos "causos" da pacata cidade.

Uma história chamou-lhe a atenção.

Morava na cidade uma família, que se orgulhava por ser numerosa e por possuírem a matriarca e o patriarca ainda vivos, uma das filhas havia casado e separado e tinha um filho deste casamento, a cidade toda sabia que não era mulher de confiança, embora para toda a família, inclusive aos pais, se tratasse de uma mulher batalhadora e trabalhora e que era vista como esforçada e de certa forma, uma coitada devido ao casamento desfeito que, segundo o homem, terminou por existir traições pelos dois lados, o ex marido traía, ela arrumava um homem e traía dando-lhe o troco.

Esta filha chamada Jussara, trabalhava em uma das grandes indústrias da região, possuindo um belo cargo e uma remuneração a seu patamar, tinha uma vida de padrão elevado, era muito bonita e sua beleza encantava aos homens que trabalhavam junto com ela.

Em determinado tempo após a separação, conheceu um homem, o Gilberto, não era paulista, vinha de uma terra mais longe, transferido pela própria empresa, apaixonaram-se e em pouco tempo compraram uma casa num bairro nobre da pacata cidade, ela tendo um filho, levou para morar com eles uma irmã, que também tinha um filho um pouco mais novo que o seu.

Os anos passaram e o casal vivia feliz em seu lar, junto com a irmã dela, o filho e o sobrinho.

Na fábrica, algumas coisas iam sofrendo alterações, imperceptíveis aos olhos do Gilberto, ainda que trabalhando junto com Jussara.

O chefe de Jussara, o Sr. Reinaldo Ramos, homem riquíssimo e que morava fora da cidade em um condomínio fechado e de alto padrão social,começou então a investir em Jussara.

O Sr. Reinaldo Ramos nada tinha de bonito ou sedutor, ao contrário, em seu rosto haviam cicatrizes horríveis de um acidente de carro que sofrera no passado e nenhuma das plásticas feitas até então conseguiram fazer com que seu rosto voltasse a perfeição.

Além disto era casado e tinha três filhos, não se sabe até hoje se o casamento era por aparências ou se realmente se amavam, o fato é que o Sr. Reinaldo Ramos mantinha diversos casos extra-conjugais, principalmente com as funcionárias da empresa, as mais belas, inclusive.

A sedução partia por intermédio de presentes caríssimos, jóias maravilhosas, anéis de brilhantes, colares e brincos de ouro, fora os jantares e motéis, algumas viagens (que diziam ser a trabalho), com tanta insistência, não tinha como se negar e não se entregar ao flerte.

Já depois de um tempo mantendo este caso, perceberam que se tratava não mais de um caso, ambos haviam se apaixonado, mas o fariam diante de inusitada situação?

O Sr. Reinaldo Ramos, por ser muito rico deveria ter uma idéia antes de declarar a separação à esposa, visto os bens serem inúmeros e a relação de muitos anos, sairia perdendo financeiramente, mas ainda assim, pensava no que fazer.

Enquanto isto, Jussara também com sua relação estável, embora para ela fosse mais fácil, pois não era casada legalmente e o bem que possuía junto ao seu companheiro era a casa e nada mais. Entretanto, havia de pensar em alguma coisa para dar motivo à separação, já que sua família dificilmente aceitaria nova separação e o pior: outra união e com um homem casado!

"Seu" Sebastião às vezes ria lembrando do "causo", porque todos da cidade sabiam que a "moça" Jussara não era flor que se cheirasse bem, e continuou com a prosa.

Jussara então teve uma grande idéia, ia aproveitar a noite do Ano-Novo e oferecer sua casa para a comemoração do ano vindouro, que para ela, via o ouro... Armou tudo da forma mais sábia, há uns meses já não "procurava" mais o marido, e este, sendo homem, tinha lá seus desejos, via a cunhada andando pela casa sempre de roupa curta devido ao calor infernal que fazia na cidade praticamente o ano todo, começou a cercá-la, e esta sempre dando um jeitinho de sair da situação constrangedora, principalmente por se tratar do cunhado.

Chegado o grande dia, a família toda reunida, bebidas, comidas, festa, muita música e alegria, o palco estava montado e Jussara esperava pelo momento certo para chegar ao ápice de seu plano.

Depois de todos irem embora, calculou friamente o tempo que cada um levaria para chegar em suas casas, "armou" um flagrante da irmã com o marido.

"Seu" Sebastião diz que foi assim que o "causo" foi lhe parar nos ouvidos e de algumas pessoas da cidade, embora a Jussara, tão "nobre e comportada" negasse até o fim esta versão.

Deu uma surra daquelas na irmã, xingando-a e a deixando reduzida a pó.

Como consolo, o único lugar que a irmã poderia ir aquela hora da madrugada, era à casa dos pais para pedir consolo e abrigo, mas ao chegar lá, Jussara já havia telefonado para todos da família, aos prantos, nervosa, destilando seu ódio e sua ira, tal como havia planejado fazê-lo.

Ao chegar à casa dos pais, a irmã de Jussara apenas ouviu um :" Suma de nossas vidas, você não merece fazer parte desta imaculada e santificada família." - E isso escutou da boca do próprio pai, que na realidade era seu pai adotivo.

Foi-se embora sem eira e nem beira com o filho a tira colo, dolorida na alma e desconsolada sem saber para onde ir.

Perguntei ao "Seu" Sebastião para onde ela teria ido, e o senhorzinho não soube me dizer, disse que nunca mais ninguém a viu por aquelas bandas, a moça tinha sentido muita vergonha, já que a história da Jussara foi acreditada por todos na ocasião.

Jussara conseguira o que queria, um álibi para sair do "casamento", sendo pura, honesta e humilhada pela irmã e pelo marido em sua própria casa, ela, justo ela que deu abrigo a irmã e ao sobrinho quando eles precisaram, apunhalada pelas costas...

Fez-se de vítima por todo o tempo, enquanto colocavam sua casa à venda para partilharem o valor imobiliário.

Enquanto isto, o caso com o Sr. Reinaldo ia de bom para melhor, ele já havia conversado com a esposa e com os filhos, dizendo-se apaixonado por outra mulher e que aquele casamento não tinha razão de ser, como se tratava de uma família nobre e rica e avessa a qualquer tipo de situação de alarde, para que não ficassem mal vistos perante a sociedade, a esposa aceitou um acordo e estava tudo resolvido da parte dele.

"- Mas "Seu" Sebastião, demorou muito pra isso acontecer?"- perguntei.

"- Que nada, meu filho, passou tudo muito rápido, a "moça" era tinhosa que só vendo. Só que a dona Jussara não contava com a ira de Deus, porque Deus viu o que aconteceu, disso aquela mulher que se dizia tão católica e religiosa, temente a Deus e a seus Dez Mandamentos, não contava, que a Justiça viria tão rápido" - completou o "Seu" Sebastião.

Curioso que sou e louco pra mandar esta história para o jornal, pedi que prosseguisse.

Dali há uns dias depois do ocorrido, houve uma festa de confraternização para os trabalhadores e executivos da fábrica, todos estavam presentes e neste mesmo dia foi quando Sr. Reinaldo Ramos e Jussara resolveram tornar público o amor que lhes acometera.

Jussara saltitava de felicidade, ficaria rica, era seu maior sonho, seria uma dondoca, faria parte da elite da sociedade, participaria de festas e mais festas repletas de glamour e coberta por jóias das mais caras e raras.

No retorno para casa, ambos estavam em seus carros, Sr. Reinaldo Ramos cortejou-a com seu carro até a entrada da cidade dela e, depois retornou pela rodovia para voltar à sua casa no luxuoso condomínio.

"- Ué, "Seu" Sebastião, até aí não ví nada de ruím acontecer! - exclamei.

"- Carma "Seu" jornalista, que o trem fica feio é agora!"- respondeu sem pressa.

Quando o Sr. Reinaldo estava retornando, seu carro deu de frente com um caminhão, o motorista perdeu o controle numa cochilada e foi com tudo pra cima do carro do Sr. Reinaldo, não sobrou nada inteiro, nem do carro, tampouco do homem que o conduzia.

A morte fora instantânea, o corpo ficou completamente moído entre as ferragens, o reconhecimento foi feito pela família, devido a roupa que ele usava no dia, e pelos documentos encontrados no meio da lataria completamente amassada e distorcida do veículo.

" - Nossa, que acidente terrível! - não tinha palavras, fiquei o tempo todo imaginando a cena descrita pelo "Seu" Sebastião.

" - Pois é "meu fio", tem gente que não pensa no mal que faz nesta vida, que não acredita na existência do inferno, mas o mal que fazemos aqui, pagamos aqui, acha que é à toa que só eu sobrevivi dentre todos da minha família? Imagino que seja para que eu lembre do mal que fiz durante minha vida e para que nunca esqueça das pessoas que prejudiquei, espero a morte todos os dias, mas ela não vem. Tento dormir e não consigo, já deixei de tomar soníferos que o "doutô" me passa, é só "bestagem" jogar dinheiro fora, porque a noite os fantasmas voltam, todos eles." - Desabafou o homem.

"- E o que aconteceu com a Jussara depois disso? Ela ainda mora na cidade? A família dela ainda reside por essas bandas?" - Perguntei curioso.

" - Bem, a família ainda se encontra um ou outro por aí, a Jussara pelo o que o povo sabe andou meio doida depois do que aconteceu, batia com a cabeça na parede e ainda fazia coisas piores, o restante da família, sabe como é que é, acobertou daqui e de lá e no final a Jussara virou santa pro povo da cidade não ficar falando mal dela.

Mas cá entre nós, "Seu" jornalista, uma mulher que trama deste jeito pra uma pessoa que se diz irmã, só pra trocar de marido, pra ficar mais rica, o senhor acha mesmo que ela não fez mais maldade por aí?" - Perguntou-me então.

" - Quem sou eu para julgar? Como o senhor mesmo me narrou, Deus mostrou sua Justiça rapidamente, vai saber que fim levou essa tal Jussara?" - Respondi meio que incerto.

Cheguei em meu quarto, e comecei a escrever o que acabara de ouvir de um dos moradores mais antigos da cidade, com certeza a dúvida persistia em minha mente: " - O que seria feito de Jussara?"

Terminei de escrever e enviei para o jornal a história, em mais ou menos cinco minutos, meu celular tocou e era meu chefe da redação me parabenizando por enfim, conseguir uma história interessante e intrigante para ser publicado na seção de mistérios...

"Mistérios?", esperava algo como capa, ou como artigo da seção policial, sei lá, mas por hora, depois de tanto tempo sem ter um texto meu publicado no jornal, me conformei com o que foi dito pelo chefe e o agradeci, desligando o celular.

Jean Miranda
Enviado por Jean Miranda em 06/07/2007
Reeditado em 06/07/2007
Código do texto: T554669