Lady Di

Eu sinto (mesmo sem enxergar) as janelas passarem cada vez mais rápidas, enquanto o chão se aproxima. Ok, não era desta forma que devia terminar. Lutei até o fim, mas não deu. Eles foram mais rápidos e mais espertos. Nos segundos que me restam, fico imaginando a notícia (espero que de primeira página) na Folha de São Paulo: “Corretor da Bolsa é encontrado morto. Tudo leva a crer que ele foi jogado do último andar de um conhecido Hotel no centro da cidade. As circunstâncias do crime ainda são um mistério para a polícia”… blá, blá, blá. Mas não vou deixar você no suspense. Quer saber por que estou nesta queda livre, atirado do telhado, de mãos atadas e vendado? Simples: eu apostei. E perdi.

Fato: Sou um apostador compulsivo (isto explica a escolha da profissão) e sempre que surge uma oportunidade, jogo minhas fichas. Não importa no que – Loto, Mega-Sena, raspadinha, bingo, cavalos. O que me move, não é o dinheiro (apesar de ele ser muito bem-vindo), mas sim a tensão, a expectativa, a dúvida. É minha heroína. Como tudo começou? Ou melhor, como tudo acabou? Vou te contar…

Um apostador tem que circular em todos os lugares, desde uma festa regada a Möet Chandon até na boca do lixo. E foi num puteiro da Av. Celso Garcia que eu ouvi pela primeira vez aquele nome: Lady Di. Não a princesa; a égua! Uma potranca que seria a grande barbada do próximo páreo. Tudo estava esquematizado para que ela fosse a vencedora. Era apostar e sorrir! E não tive dúvidas: Apostei! Alto; muito alto. Como consegui o dinheiro? Com o pessoal do Alemão (que por ironia era um negão de quase dois metros de altura), um dos agiotas mais famosos (e perigoso) da Zona Leste de São Paulo. Peguei a grana com a promessa de devolver no dia seguinte à corrida (sem esquecer de sua pequena taxa de 20%).

No Jockey Club, me sinto em casa, cercado por gente como eu. Todos com o mesmo objetivo, todos com a mesma ânsia. Apostei a grana do Alemão e fiquei esperando a corrida acontecer. Tinha certeza que a dica era quente! Só que esqueci de um pequeno detalhe: como a “outra” princesa, a égua tinha vontade própria e a poucos metros da linha de chegada a desgraçada resolveu tropeçar na porra de um buraco! Foi ai que tudo começou.

O celular toca. Sinto o vômito subir pela garganta. Não preciso atender pra saber quem é do outro lado da linha: hoje é o prazo pra eu devolver o dinheiro. Só que ele não existe! A maldita campanhia continua a atormentar minha mente e a revirar meu estomago. Não tem jeito, se eu não atender, eles virão pessoalmente. Apostando no meu charme infalível, convenço o agiota que foi só uma pequena “escorregadela” e que amanhã terei o dinheiro. Ouço sua respiração asmática acompanhada de um ultimato: amanhã ao meio-dia ou posso começar a escrever a minha nota de despedida. Apago todas as luzes do apartamento e dou uma espiada pela janela. Estacionado em frente à Galeria dos Pães um carro preto. Corro para o banheiro.

Só há uma maneira de me livrar desta merda. É arriscada, mas vale a pena! Abro minha agenda e começo a ligar para meus clientes. A idéia? Convenço um idiota a vender suas ações, mas em vez de depositar o dinheiro direto em sua conta, vou apostar. Ei! Calma, eu sei que você me acha um louco, mas pense comigo: eu aposto, ganho, duplico o valor e estou limpo! Amanhã nem vou lembrar o que aconteceu! Todo mundo fica feliz!

Foi difícil, mas sempre tem uma viúva rica, com dinheiro e tempo de sobra para escutar uma cantada de seu corretor. E esta já está na minha lista (e na minha cama) há um bom tempo para que eu conheça onde tocar (literalmente) e arrancar alguns trocados. Saio de seu apartamento na Haddock Lobo, voando pela Al. Itu, até chegar à casa de apostas na Pamplona. Corro os dedos pelos nomes: Papel Moeda, Queen Dodge, Nico Grande, Princess Famous. Ainda de olho na TV murmuro minha aposta: - Princess Famous, 4º páreo, aposta direta . Entrego o dinheiro para o caixa que devolve o papel com a confirmação da aposta.

Tenho que fugir, agora mesmo. Minhas mãos tremem enquanto jogo uma muda de roupa limpa na mochila. Volto pra janela e vejo o mesmo carro parado. Merda! Onde eu tava com a cabeça pra apostar em outra princesa! Olho o relógio e vejo os ponteiros juntinhos como uma sentença de morte – Vamos lá, os dados foram lançados, é apostar em quem é mais esperto pra se safar.

Saio para o corredor em direção a escada de emergência, quando a porta do elevador abre.

Tento me ajeitar o melhor possível dentro do porta malas, mas uma fisgada tira meu fôlego. Acho que quebrei a costela. O carro para e segundos depois sou arrancado sem cerimônia para a rua. Consigo vislumbrar com o olho direito (já que o esquerdo está totalmente destruído) o Edifício Itália e a Praça da República ao longe. Sou empurrado para a porta de um hotel. Olho para cima e vejo que é o antigo Hilton, fechado para reforma. A lua está alta no céu, indicando que a madrugada já está quase pela metade. Alguém aguarda para abrir a porta e sou empurrado com violência para dentro do hall silencioso.

Depois de uma viagem que parece ter durado uma eternidade chegamos finalmente ao 21º andar. O elevador abre a porta, e sou carregado para a entrada de uma suíte. Tento argumentar, mas outro soco do lado direito me cala. Lá dentro, uma sombra recortada pelas luzes de São Paulo. Quando o homem se vira, vejo que é o Alemão.

Enquanto o vento passa zunindo pelo meu ouvido lembro de algo importante: segundos antes de ser vendado, consegui ver que lá embaixo há uma piscina. Então se eu tiver sorte, e eles me empurraram com força, ainda existe a chance de eu cair dentro dela, e assim me safar da morte certa.

Porque você está rindo? Acha que não é possível?

Quer apostar?

Patricia Soares
Enviado por Patricia Soares em 19/07/2007
Código do texto: T570756
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