Telefone Negro

Acordo sobressaltado, outro pesadelo. Já é a terceira vez nessa semana que tenho o mesmo sonho. Olho para o relógio, 3 da manhã. Pontual meu pesadelo toma a função de despertador. Vou tateando no escuro até a sala e ligo a TV, sei que não vou conseguir dormir, já tentei o suficiente nas outras noites para descobrir isso. Ficar na cama só me deixa cansado durante a manhã. Acordar tão cedo tem se tornado cada vez mais frequente, isso contribui para deixar meus dias ainda mais vazios.

Não gosto de ver TV, muito menos esses programas da madrugada. Meu olhar desinteressado desliza do filme estranho que ainda não sei o nome para a prateleira no canto da sala. Sobre ela um telefone velho. Com botões ovais que um dia eram negros, agora já adquiriram um tom quase marrom debaixo da camada grossa de poeira. Sem importância e descartado. Há décadas que permanecia no gancho sem receber uma ligação.

Meu pai comprou esse telefone quando eu tinha 7 anos. Ele chegou em casa carregando uma sacola, me chamou, sentamos no sofá onde assistíamos jogos de futebol , e juntos abrimos o pacote. Ele disse que agora ia falar comigo com mais frequência durante o dia. Desde que ele começou a trabalhar já não tinha tanto tempo pra mim, a delegacia era muito longe de casa e às vezes, por causa dos horários desencontrados, passávamos a semana inteira sem se ver. Depois que minha mãe morreu ele teve que tomar conta de mim sozinho, passávamos o dia inteiro juntos. Quando ele saiu para o trabalho no dia seguinte foi a ultima vez que o vi. Já faz 30 anos.

Esse é um dos poucos borrões de memória que tenho dele, se não fosse por isso teria dado um fim nesse telefone há muito tempo.

Levanto, vou até a cozinha e abro a geladeira. O que vim fazer aqui mesmo? Não lembro. Fecho a geladeira. Vou até o armário de madeira e pego um dos copos azuis que tem por lá, caminho até o bebedouro, coloco o copo debaixo da torneira e fico olhando as aranhas no teto fazendo um movimento frenético enquanto a água cai no copo. Bebo forçadamente, não estou com sede. Enquanto bebo água ouço um toque de telefone, confiro o celular e percebo que o toque vem da sala. Caminho até lá. O telefone negro esta tocando. Atendo.

-Alô? –digo incrédulo.

-Oi filhão – meu coração dispara, o copo azul que eu segurava cai da minha mão e se espatifa no chão, sinto meus olhos pulsarem e ficando úmidos. Não consigo pensar claramente em nada. –Desculpe o atraso, mas o papai estava cuidando de algumas coisas aqui e não pude ligar antes.

Um silêncio tomou conta da casa. Quem brincava comigo daquela maneira? Como aquela voz que mal me lembrava, agora estava tão clara naquele telefone. Como aquilo era possível? O frio começa a tomar conta do meu corpo, sinto que minha alma esta me deixando.

Acordo assustado, outro pesadelo.

Leobalevski
Enviado por Leobalevski em 27/07/2016
Código do texto: T5710525
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