Die Fledermaus

O cair da noite no Brumado era abençoado, e bem soado, com o terço iniciado. E Maria entendia. Libertava nossas consciências da nódoa das estripulias e nos animava a banhar os pés, escovar os dentes, fazer dever de casa e retomar as obrigações domésticas.

O rádio não ajudava. Toda "rádia" só uma coisa pegava. Era a Voz do Brasil, que em seus trechos mais amenos, dava avisos aos navegantes, falando de bóias de luz fracas. E mudar de onda era pior: a gente caía na latumia das "rádia" estrangera...

Com mamãe na fábrica digladiando com seus teares, e papai às voltas com alguma costura ou passação de roupa, a presença de Tia Vicentina em casa, freqüente era a segurança duns bons causos antes que o sono pegasse.

Mas o fascínio maior ficava por conta do inusitado: a entrada do Fledermaus. Nem corra ao google pra descobrir: já lhe digo aqui, Fledermaus é morcego, e feminino, em alemão. E sem ascendência ou descendência germânica, a escolha fiz pelo mero gosto da palavra, grafada assim com maiúscula inicial, por se tratar de um substantivo.

Com as janelas abertas para refrescar a noite, e sem o mínimo risco de visita indesejável, era o Fledermaus que não se fazia de rogado e zum, a gente nem ouvia, apenas mal via o vulto de sua inspecção noturna.

E aí, a caça implacável começava para espantá-lo, ou capturá-lo, foi um indiciamento de Moro, pois o bichinho era associado ao Maligno, apesar de já abençoada a casa. Via-de-regra, os esforços eram baldados. Só a adrenalina é que ficava. Fervilhante. E, com o mote diante, Ticintina contava mais uma, arrepiante.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 21/09/2016
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