Uma noite em Asura.

O que quer dizer, quando se sonha com o inferno, ou, pelo menos, a sua imaginação cria uma ideia de inferno...

Eu estava descendo a rua, numa noite, com alguns amigos, amigos que na verdade, nunca tinha visto antes, ou, no mínimo, não me traziam nenhuma lembrança de suas feições, apenas uma amiga que eu conhecia, ex-colega de trabalho e meus irmãos... Estávamos todos juntos descendo uma rua, muito escura, muito quieta, até chegarmos num ponto, onde não tinha nada em volta, apenas, uma rua estreita descendo, como uma grande ladeira, levando a lugar nenhum, tudo bem mais escuro, um breu total; para a frente dessa rua, pensávamos de desceríamos ou não, apesar de parecer o único caminho. Minha amiga, sempre cabeça dura, desceu, se enfiou em meio a escuridão e pelos céus, eu nunca mais a vi, aguardamos o retorno dela, um tanto pasmos com aquilo tudo, mas não ouve nada, no meio da espero, mais silêncio, agora mais agonizante mais maçante, um dos meus irmãos, que não era muito diferente de minha amiga no temperamento, simplesmente começou a descer a rua, e entras no meu daquela treva, não pude me conter e desci correndo atrás dele, não poderia dizer, o que faria a mim mesmo, caso, algo acontecesse com ele, quando me vi banhando, pelo escuro completo, me senti rodeado por vultos, correndo, pulando, rindo, gritando e por fim, me golpeando pelas costas, me sentia totalmente exposto, me agachei no chão, tentando buscar algo, que nem eu saberia dizer o que era, minha cabeça estava só reagindo a algo, como se fosse apenas espasmos mentais ..mas, nesses espasmos senti que agarrava algo, semelhante a um cabo, de vassoura, rodo, esfregão, o que fosse, eu o agarrei firme e desferi golpes, para todos os lados, somente sentindo a vibração do pedaço de madeira, que acertava algo com grande impacto.

Ouvi gritos e gemidos de dor de depois, somente choros entre soluços, o breu de repente se converteu em luz, uma luz alaranjada, aquelas lâmpadas incandescentes, no lado de fora de varias casas, de uma rua sem saída e que formavam um circulo na rua... Todos os moradores saíram de suas casas, para ver o que tinha acontecido, olhei ao redor de mim mesmo e lá estavam os vultos caídos no chão, eram apenas crianças, crianças negras de pele muito escura, chorando no chão e sangrando, tamanho o poder dos golpes que distribui a torto e a direito; a cena fez com que todos os moradores, viessem para cima de mim, pude ver a fúria no fundo de seus olhos, meus amigos e meu irmão que restou, pois o outro havia sumido, assim como a minha amiga, tenho certeza que esses filhos da puta tem a ver com isso, vieram ao meu resgate, correndo com vontade e já apanhando pedaços de madeira e pedras, pois, em qualquer circunstância mais ríspida, estávamos em menor número, então preferimos garantir, enquanto eu segurava minha "arma", como se fosse a única coisa, que eu tinha na vida e não quisesse perder, em qualquer hipótese... Um ultimo minuto de silêncio foi feito, prevendo o fim daquilo tudo, da pior forma possível, todos fixavam os olhares uns nos outros e como um respiro profundo, depois de segurar firme a respiração por muito tempo, ouviu-se um grito, quase como um chamado para a guerra e uma pedra voou do lado deles, diretos em um dos nossos; foi dado o estopim, para o inferno.

Paus e pedras tomaram o lugar, a noite antes quieta e tranquila, foi tomada por gritos de raiva e total descontrole de todas as partes, via corpos caírem, com sangue por todas as partes, as pedras de paralelepípedo que atingiam os crânios de alguns, parecia que todos estávamos lutando por nossas vidas e que já sabíamos, que todos iriamos morrer, parecia a própria representação do reino de asura, um combate sem prazo para o fim, as pessoas entravam em suas casa e depois saiam, correndo com facas nas mãos, facas de todos os tipos, de serra, punhais, facas grandes, facões, canivetes até mesmo de carpinteiros, cutelos e tudo mais, que se possa imaginar; assim, começaram a ser atirado facas para todos os lados, caos, simplesmente caos, sem explicação, ou, alguém que quisesse entender, era apenas caos; e mais corpos caídos, mais sangue, pescoços cortados, cortes profundos, ah o caos... Eu mesmo, apanhei as facas que eu pude e as atirei de volta, eu podia ver, as facas que saiam das minhas mãos atingir um, ou, outro desgraçado e eu os via cair e eles olhavam para mim, até suas expressões ficarem vazias e a poça de sangue rodear seus corpos.

Sentia os arranhões em meus braços, em todo o meu corpo e o ardor, quase anestesiado, mas, eu ainda sentia e preferia sentir eles, era o meu atestado de que estava vivo ainda... Num determinado ponto, já havia mais corpos no chão do que, os que ainda brigavam, eram todos apenas corpos, apenas rostos, apenas sangue, e morte; tudo junto e misturado, eu e os que restaram, apenas golpeávamos e atirávamos coisas, uns nos outros, por algum motivo, talvez os deuses estavam do meu lado, eu atingia muitos deles, eles viam para cima de mim. Consegui entrar numa casa já vazia e em uma olhada rápida, vi que meu irmão ainda lutava, com todas as forças; eu gritei o nome dele e o chamei para o abrigo, ele correu o mais rápido e forte que ele pôde, ao conseguir entrar, eu bati a porta e me coloquei contra a porta, respiramos um pouco, olhando um para o outro fixamente, esperamos alguns instantes, procuramos tudo o que poderíamos encontramos em volta, iriamos sair novamente, pois, não adiantaria nada tentar ficar lá dentro, teríamos que tentar um ultimo ato, enquanto aguardávamos o momento certo, apenas ouvíamos o inferno sonoro, não se pode imaginar a tortura que é para os ouvidos, ser obrigado a ouvir o inferno, apesar de achar, que muitos homens já tiveram que ouvir esse mesmo inferno.

Quando decidimos que seria a hora, me afastei da porta de frente para ela, empunhando uma faca grande e meu irmão, dois canivetes, um em cada mão e esperamos um minuto mais, repentinamente, ouvimos um chute na porta e vimos ela sendo arrombada, e uma mulher correu para dentro, a coitada, foi recebida a facadas, morreu aos nossos pés, sujou as barras de nossas calças; tiramos ela de cima de nosso pés e fomos em direção a porta, devagar e com os olhos atentos... E mais uma vez, o silêncio se tornou uma massa invisível, mas que ocupou todo o lugar, nesse ponto tivemos medo, mas, não tínhamos muito o que fazer, apenas caminhávamos para fora; quando saímos, havia acabado, acabado com o fim de tudo, apenas corpos no chão, a rua e a calçada pintadas de vermelho carmesim, devia ser lá pelas duas, ou, três da manhã e estávamos exaustos, sobrava por fim, eu e meu irmão, não tive a menor noticia do meu outro irmão, caso estivesse vivo, morto, ou o que fosse. As casas todas escancaradas, apenas andamos para o meio da rua olhamos em volta e mais nada, mais nada, havia somente isso, nada...

Olhamos para dentro de uma das casas e vimos uma porta, mesmo com a visão turva, caminhamos em direção a essa porta, entramos na casa, mais dois corpos no chão, além de uma velha esclerosada, teve o pescoço cortado enquanto dormia, na verdade, acho que mais alguns dias e ela morreria por si própria, não paramos para admirar aquela cena deprimente, convenhamos, estávamos em asura, um inferno total, uma velhinha seca e já no fim da vida, degolada; não foi o pior da nossa noite... Chegamos até a porta, giramos a maçaneta e abrimos devagar, era uma saída para a rua de trás, saímos e olhamos em volta, uma ruazinha tranquila, uma iluminação um pouco mais descente, guardamos as facas na cintura e seguimos em direção a rua, mas agora numa subida, o silêncio agora era reconfortante, daí, eu simplesmente acordei...

Henrique Sanvas
Enviado por Henrique Sanvas em 06/10/2016
Reeditado em 22/09/2020
Código do texto: T5783125
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