Curioso caso de alguém

Eu não quero me apresentar, pois ao pronunciar meu nome corro

muitos riscos, me chame somente de alguém, pois é isso que eu sou. Sou alguém atormentado, alguém perdido, alguém que não tem mais

caminho, nem motivos para viver. Mas apesar de tudo isso, por amar

demais a vida, vê motivos para acreditar que ela vai mudar.

O que aconteceu comigo não desejo que aconteça nem com meu

pior inimigo. O que aconteceu comigo me estragou. Eu por um lado sou culpado, mas por outro juro de pé junto a minha inocência (embora nunca tivesse). Nem eu mesmo sei exatamente o que aconteceu, mas vou tentar narrar o que eu sei, para entrar-nos-ia numa discussão do que realmente aconteceu.

Eu, alguém que vivia uma vida normal, de trabalho e curtição, era

também um viciado em drogas, qualquer tipo de drogas que me

apresentasse eu topava experimentar. Eu não era usuário por questões

psicológicas, ou qualquer uma dessas outras merdas que dizem levar a

droga. Eu era usuário por que nunca encontrei prazer igual, ao que as

substancias químicas me propuseram, era como estar no céu jogando

futebol com anjos, conhecer o universo, prazeres nunca por eu

experimentados antes. Minhas drogas favoritas eram alucinógenas. Eu

achava aquilo coisa de outro mundo, inventado por deus como uma porta de comunicação entre a terra e o céu, amostra grátis de como era o paraíso.

De tantas baladas, drogas alucinógenas e musica psicodélica, minha

mente já estava deteriorada beirando o surreal e a realidade. Via na

musica psicodélica dos anos 60 o ultimo suspiro de alegria antes do rock se tornar sombrio e pesado. E aproveitar esses momentos me fazia voltar no tempo, na própria década da loucura, a década de grandes mudanças e revelações que foi os anos 60. E em meio a todo esse agito da minha vida cotidiana eu conheci uma garota, puxa, mas que garota, ela era só de olhar o tipo de droga que eu consumiria até ter uma overdose. Ela era magra, com um corpo bem proporcional, cabelos morenos, tinha um olhar misterioso e sedutor, que bloqueava até a mais bem bolada tentativa de entrar em sua intimidade, embora isso não me impedisse de tentar, fui lá me apresentar, flertei olhando em seus oceânicos olhos, que não era mar aberto, e que parecia me levar mais ao desejo de mergulhar, mesmo sabendo que corria o risco de me afogar:

-oi tudo bem- disse eu.

-sim! E com você?- perguntou ela.

- Estou ótimo - disse eu - e melhor estaria se você aceitasse que eu

lhe pagasse um drink.

Ela sorriu um sorriso generoso, de quem já esta habituada a receber

aquele tipo de cantada.

- se for só um drink - disse ela.

- por enquanto é somente isso.

Ela me disse seu nome, porem nomes não são importantes nessa

historia. A gente se conheceu melhor bem a fundo, descobrimos que

tínhamos muitas coisas em comum. Inclusive nosso aprecio por substancia químicas, porem mesmo assim eu ainda não consegui entrar na intimidade dela, ela era muito misteriosa e isso me fazia querer mais e mais ela, na nossa conversa, parecíamos ser semelhantes, mas tinha algo, que ela escondia de mim, disso eu tenho certeza.

Começamos a ter relações de sexo casual, e prazeres substanciais.

Festas só nós dois no nosso delírio espiritual e obsceno. A medida que ela foi aparecendo na minha vida, coisas estranhas- mais estranhas do que já acontecia- vinha a preencher meu dia-a-dia. Um vizinho meu reclamou que de madrugada escutava uns barulhos estranhos na minha casa. Eu particularmente possa também ter ouvido, mas achava que era só mais uma paranoia de uma mente deteriorada pelas drogas. Uma coisa que me intrigou muito foi uma vez um pombo que se esbagaçou na minha janela, entre as vísceras grudadas no sangue, havia um papel, que tinha a seguinte mensagem:

“Abandone o barco agora, ou afunde junto dele”.

Isso me deixou intrigado, pensei no que estava falando e se era para

me essa mensagem. Pensei se tinha algum inimigo por ai, alguém a quem já tenha feito algum mal. O que me veio à cabeça foi que somente faço mal a mim mesmo, pois sou um ser autodestrutivo que pode explodir a qualquer momento, porem não farei falta, sou apenas alguém no gigante mundo. Mais tarde ela veio ao meu encontro, lhe contei sobre o estranho ocorrido, percebi que ela mudou a expressão em seu rosto, parecia preocupada. Eu não quis mais tocar no assunto. E fomos direto para minha casa, aproveitarmos um momento psicodélico, com ácido lisérgico. No som estava tocando playlist fácil de achar no you tube, de acid rock dos anos sessenta. Minha casa estava colorida, o espaço distorcido ao meu redor, um calor corria por meu corpo, imaginei que eu fosse um vulcão entrando em erupção. Ao som daqueles acordes lentos e sem sentido, que demoravam varias horas para terminar, minha viagem continuava, fui parar no monte olimpo, entre os deuses gregos vestidos de rock star, que cantando a sua gloria, em um show onde nós mortais éramos meros expectadores, vivendo para venera-los e honrar sua

imagem. Fui parar longe nessa viagem e me acordei fora de casa, com

varias pessoas ao meu redor, estava atordoado, não consegui encontrar ela, e então perguntei:

- O que aconteceu?

- Sua casa esta pegando fogo- disse meu vizinho.

- O que? Como?- eu disse atordoado.

- Não sei!- disse ele- eu senti o cheiro de fumaça e corri para ver onde era,

vi que era na sua casa e entrei para vê se você estava lá dentro. Você

estava desacordado e te tirei de lá.

- E ela? Cadê ela? - Perguntei.

- Ela quem?.

De repente me veio a cabeça vários pensamentos suspeitos. De que

ela possa ter incendiado a minha casa, e saído para me deixar morrer

sozinho drogado, vivendo no ócio, o show de rock stars deuses na boca de um vulcão. Veio-me a mente o momento em que eu lhe contei sobre o pombo, e me perguntei se o barco que eu tinha que abandonar era ela. De todo modo no dia seguinte me encontrei com ela novamente, e contei sobre minha casa que tinha pegado fogo. Ela pareceu surpresa, e perguntou se não tinha sofrido nenhuma queimadura. Eu disse que não.

Ela passou a tarde toda que passamos juntos com uma cara preocupada. Perguntei:

- O que esta te preocupando tanto?

- Eu estou preocupada com você que quase se matou.

- Eu não botei fogo na minha casa- disse eu.

- vai saber, ontem você estava mais drogado que qualquer hippie no

festival de Woodstock – retrucou ela. Calei-me, pois era verdade. Como já havia dito antes minha mente estava confundindo real com surreal. Essa vida que tenho vivido nadando entre um mar de prazeres, estava agora cobrando o seu preço. E eu sabia

que ia ser caro, porem estava disposto a pagar. Minha vida seria muito

monótona sem as drogas. Pois não via mais prazer na família, na amizade e no amor muito menos. Somente drogas e sexo me satisfazia como nada mais podia. Tive que alugar um apartamento enquanto eu consertava o que havia queimado, perguntei se ela não queria morar junto comigo, ela aceitou. Parecia temer alguma coisa, e não queria ficar sozinha. Meu novo apartamento tinha um visual incrível, perfeito para quem gosta de psicodelismo. O papel de parede era cheio de cores, meu quarto tinha no teto a capa do álbum ‘’The Dark Side Of The Moon’’ do Pink Floyd. Fiquei maravilhado pela beleza e por estar agora morando com ela. Todo dia nós fazíamos nossas viagens, e se acordava atordoado, pois parecia muito real. Em uma delas, eu e ela parecia estarmos na cidade, andando em uma montanha russa, logo depois fomos ao carrossel, e nos deleitamos de toda a alegria que um parque de diversão poderia dar. Entramos na casa de horror, nós estávamos assustados, e ficamos mais ainda quando vimos um cara vestido de palhaço esfaquear outro na

nossa frente. Nesse momento o delírio acabou e acordei em casa.

Na tarde seguinte vi na televisão, um repórter em um parque

parecido com o do meu delírio. Aumentei o volume, e a noticia era de um homicídio ocorrido na casa dos Horrores, eu soltei o controle no chão e sentei quase sem fôlego no sofá. Comecei a pensar como aquilo era possível, era apenas uma viagem mesmo? Ou foi tudo real? Eu estava paranoico, alterado. Comecei a pensar, se eu estive lá, como ainda estou vivo? Por que o palhaço assassino não me matou? Nervoso, corri no armário e peguei um saquinho de cocaína e comecei a cheirar. Não contei nada a ela, preferi guardar segredo. Essas duvidas, comecei a sentir medo de que ela fosse alguma assassina psicótica, e que estivesse me levando para esse mesmo caminho. Porem não fazia sentido, pois no meu sonho estávamos juntos o tempo todo. Não tinha como ela ter matado aquela pessoa sem eu ter visto. Noutra noite a caminho de mais uma de minhas viagens encontrei um pombo esbagaçado na parede de um prédio, e entre os esfarelados pedaços tinha um papel com a seguinte mensagem:

“Você já esta se afogado, só não sabe ainda”.

Não podia acreditar. Corri para casa. Estava assustado paranoico,

precisava me drogar. Peguei o LSD liquido que tinha guardado na

geladeira, coloquei uma gota no açúcar em cubo e tomei. Na minha

alucinação eu vi o tal palhaço que esfaqueou o cara na casa dos horrores, eu estava amarrado em um ambiente isolado, cheio de arvores e pássaros. Me lembrava um lugar do centro da cidade. Eu estava olhando nos olhos dele e perguntei:

- Quem é você?

- Você!

Tudo mudou de cena, de repente me vi num quarto de hotel barato,

ela estava do meu lado, toda ensanguentada. Eu me desesperei, comecei a chorara e gritar “ Não, Não, Não”, eu comecei a me perguntar quem poderia ter feito isso. Fui no banheiro, olhei no espelho e vi o palhaço. Assustei-me, cai e bati com a cabeça no chão.

Quando acordei estava no meu apartamento, fiquei preocupado,

pois tudo parecia muito real. Já era de manha e ela não estava em casa. Tinha sumido. Passou uns dias e ela não apareceu. Comecei a imaginar que aquela alucinação realmente aconteceu. E que eu era o palhaço e fiz tudo aquilo. Comecei a ficar preocupado, tinha até náuseas. Como pode eu ter cometido tais crimes? A droga deteriorou tão serio assim minha mente?

Por outro lado comecei a duvidar se ela realmente existiu, ou foi só

mais uma alucinação de uma mente drogada. Será se eu vivi tudo isso

mesmo, nada passou de mais uma viagem? Os recados nos pombos,

quem os enviou? Se foi o palhaço então isso quer dizer que foi eu. Mas

por que eu faria isso? Não sei! Minha mente ainda esta cheia de duvidas e assustada, prefiro acreditar que nada foi real. Porem como não sei mais o que é real e o que não é, não citei meu nome aqui, e nem o dela, pois tenho medo de que eu realmente tenha me afogado na loucura.

Todas essas minhas viagens, estavam cobrando um preço alto

demais, estou com medo de mim mesmo, e do que eu possa fazer.

Refletindo sobre as mensagens dos pombos, cheguei a conclusão que o

mar que esta me afogando são as drogas. Com isso estou parando de

consumir e procurando sentir prazer com as coisas simples da vida. Estou tentando mudar para melhor, porem essa culpa que tenho pela a

incerteza de que esses eventos tenham ou não acontecido me corrói. Ela parecia muito real, tudo parecia muito real, porem não sei. Vivo com isso me atormentando como uma das sequelas que a droga me deixou.