Nas Sombras

Sempre antes de me deitar para dormir, eu deveria fechar as cortinas da única janela do meu quarto. Isto porque em frente a minha casa havia um poste de iluminação e uma grande árvore, a qual geralmente estava seca.

Tanto a luz do poste - amarela e um tanto fraca - quanto os galhos desta árvore me causavam um enorme incômodo e desconforto. Os galhos desta árvore eram longos, pontudos e curvados em suas extremidades.

Porém, o que realmente não me deixava dormir eram as sombras dos malditos galhos projetados na parede do lado oposto do quarto que minha cama estava. Além da luz que, mesmo débil, iluminava todo meu quarto na escuridão da noite, ainda haviam os galhos - que mais pareciam dedos - em leve e constante movimento devido ao vento. Fechar as cortinas era um requisito para uma noite de sono decente.

Em meu domicílio residiam apenas minha tia e eu. Esta minha tia acabara de se divorciar de seu, agora, ex-marido. O motivo do divórcio é claro e compreensível: um marido agressivo e obsessivo o qual geralmente se envolvia em brigas fúteis com pessoas aleatórias devido à bebida. Mesmo livre de um enorme e inútil fardo, minha tia mostrava que ainda haviam sentimentos pelo antigo companheiro. Acho que isto ocorria devido ao pouco tempo de separação deles. O quarto dela ficava ao lado do meu, consequentemente ela também era assombrada pelas sombras à noite.

Dia após dia, noite após noite, uma rotina monótoma e tediosa da vida contemporânea. Estudar para ter um emprego. Ter um emprego para ter dinheiro e não morrer de fome. Antes fosse de desgosto. Em casa, conversas breves e vazias. Lá havia apenas traumas e tristeza decorrentes destes.

O cotidiano não poderia ser melhor, tirando o fato da brilhante ideia de minha tia de trocar as cortinas de toda a residência. O único modo de cair no sono era deitar virado para a parede, ignorando a parede oposta coberta por estranhas sombras e luzes. Na primeira noite sem as cortinas de meu quarto, demorei a dormir, devido aos incômodos diários. Na segunda noite a mesma coisa, porém agora com alguns barulhos incomuns, decorrentes dos galhos, eu previa. Na terceira noite, os mesmos elementos de toda noite, mas nesta os barulhos foram mais fortes, porém breves.

Na quarta noite, já não suportava encarar a pálida parede até dormir, além da dor nas costas devido à mudança de posição para dormir. Me virei para o outro lado, já preparado a encarar as sombras dos galhos e a luz amarela do poste. Fiquei as observando por algum tempo. Movimentos singulares e repetitivos, um tanto hipnótico. Porém, com o barulho agora comum de toda noite, um movimento incomum dentro das sombras. No momento que vi, tinha certeza que era o vulto de alguém parecia estar em cima da velha árvore. Um frio percorreu minha espinha até chegar ao meu pescoço, mas logo procurei me recompor e previ que deveria ser apenas galhos soltos ou algo do tipo.

Na manhã seguinte, minha tia ainda não havia acordado quando recebi uma visita do vizinho, que costumava observar o céu com um telescópio e registrar o que via nele com sua câmera, ou algo do tipo. Ele me contou que, durante seus estudos sobre o céu, avistou de sua janela alguém escalando a árvore em frente a minha casa. Não acreditei, apenas quando ele me entregou uma foto. Nela, um homem vestido de preto, camuflado nas sombras, observando da árvore as janelas de minha residência. Imediatamente fui checar a árvore. Com esforço a escalei e em sua copa havia uma câmera fotográfica antiga, com algumas fotos reveladas junto a ela. Nelas, posava minha tia, dormindo. Perdi o fôlego. Calafrios invadiram meu corpo e o fizeram estremecer. Olhei para o quarto de minha tia, a janela estava aberta. Desci da árvore com rapidez, acabei me cortando em um de seus pontudos galhos. Não me importei e corri para o quarto de minha tia. Tentei acordá-la, mas não tive sucesso. Seu corpo estava frio e já sem vida.

No mesmo dia, recebi a notícia que fora encontrado um corpo, em vestes negras, no mesmo quarteirão de minha casa. Era do ex-marido de minha tia. Ele havia cometido suicídio.

Victor Dagueis
Enviado por Victor Dagueis em 05/10/2017
Reeditado em 05/10/2017
Código do texto: T6133361
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