Fumaça, Alcool e Palavras

5 de setembro de 1934, por volta das 21:00, três homens conversam em um bar de classe média no sul de São Paulo. Estes são Geraldo Silva, José da Fonseca e Thiago Novais. Que estão a debater sobre a existência de céu ou inferno.

A porta se abre, entra um homem alto que aparenta possuir mais de 40 anos vestindo um elegante sobretudo preto, um chapéu sombreando seu rosto e fumando um cigarro de palha, assenta-se perto dos três homens para beber algo. Os homens estranham a atitude do homem ao assentar-se sem tirar o casaco ou o chapéu como é de costume, mas logo voltam a conversar, porém José percebe que o homem não demonstra sentimento algum em suas expressões, seus olhos são negros, negros e mortos como os de um cadaver, sua presença é pesada e intimidadora, mas José logo para de prestar atenção no estranho homem e volta a conversar.

-Como podem acreditar na existência de um ser divino que nos julga, ou até mesmo em lugares que separam os bons dos maus após a morte, o quão loucos vocês são em acreditar nisso ?-Contesta Geraldo em tom de deboche.

-Qual seria o sentido de viver se não chegarmos a lugar algum após a morte ?-Pergunta José a Geraldo.

-O único sentido de viver é ter uma vida luxuosa e feliz e morrer bem velho e rico-Responde Geraldo.

-Ser feliz não é ter dinheiro, as pessoas só são felizes quando são boas, essas vão ao paraíso-Responde José.

Logo o estranho homem bate o copo com força no balcão e começa a falar sem olhar pra ninguém, em tom seco e sem sentimentos:

-Os senhores estão todos errados, a felicidade é algo ilusório criada pelas pessoas, mas no fundo todos são armagurados. Não tenho certeza se existe um paraíso, mas pode ter certeza, o inferno é real.

-Como pode ter tanta certeza em dizer isso ?-Pergunta Thiago muito intrigado.

-Eu estive lá-Responde o Homem com naturalidade e frieza.

-Você só pode estar bêbado, você é o que ? um demônio ? Hahahahaha-Gargalha Geraldo.

-É realmente difícil de acreditar. Se você esteve no inferno, como poderia estar aqui agora ?-Questiona Thiago

-Só contei isso a vocês pois sabia que não acreditariam-Afirma calmamente o estranho homem.

-Desculpe, não consigo deixar de acreditar em você, você tem a cara de quem viu coisas, afinal, qual seu nome ?-Pergunta José.

O homem derruba as cinzas de seu cigarro em um cinzeiro do balcão e diz:

-Qual seria o sentido em dizer se logo esquecerão ?-Questiona o homem.

-Tanto faz, pra mim você é só um louco-Afirma Geraldo.

O homem com um sorriso frio diz:

-Eu sou o louco ? Você quem procura felicidade em pedaços de papel e lascas de metal.

Geraldo começa a tremer e suar, e como quem quer esconder o medo começa a gargalhar:

-Hahahahahahahaha você realmente é peculiar-cessa o riso-por que acha que estou aqui bebendo e conversando ? Pois tenho dinheiro pra encher a cara a vontade, se realizar os meus desejos não é felicidade, então o que é ?

-Seres humanos não são dignos da felicidade, são podres e enquanto mais evoluem, mais ficam irracionais e estupidos-Responde o estranho homem com sinceridade.

José muito curioso pergunta:

-Você fala dos humanos com repúdio, afinal você não é humano ?

O homem fica em silencio por três longos minutos. Com o cigarro quase no fim, apaga-o e descarta o mesmo no cinzeiro do balcão, e diz com calma e frieza:

-Pra falar a verdade, nem eu sei mais o que sou...

Geraldo tremendo e suando da um soco no balcão e em tom grosseiro diz:

-Ou você é louco, ou é um charlatão !

O homem com toda frieza possível responde:

-Loucos e charlatões estão em todos os lugares, quem sabe eu seja um.

-Afinal, o que o senhor quer aqui ? Por que se intromete na conversa alheia ? - Pergunta Geraldo muito nervoso.

O homem prepara outro cigarro, e ao acende-lo responde:

-Só vim tomar uma bebida e fumar um pouco, o senhores quem se intrometem em assuntos que não lhes diz respeito.

Thiago, com o intuito de acalmar Geraldo diz:

-Fique calmo Geraldo, este senhor não pode provar o que diz.

Geraldo enche um copo com uma dose de conhaque, bebe e diz:

-Tudo bem, reconheço que estou exaltado, mas este homem deveria estar em um hospício, não é possivel alguem falar tanta besteira e se dizer com a mente sã.

O Homem então pergunta:

-Qual a definição de mente sã pra você ?

Geraldo com curiosidade responde:

-É ter estabilidade mental, ora, o que mais seria ?

O Homem entao comeca a falar:

-Até que ponto posso considerar alguem são ? Vejo a sanidade como algo que se perde aos poucos, enquanto mais as pessoas vivem, mais loucas ficam, você não acha que é loucura as pessoas se matarem por um pedaço de papel ? As pessoas as quais são reconhecidas como loucas podem até ser mais felizes, pois não são meros robôs sobrevivendo. a diferença entre você e esse louco, é que você sabe disfarçar a loucura.

Geraldo temendo com os olhos arregalados e cheios de lágrimas de desespero derruba a garrafa de conhaque que estava bebendo, fecha os olhos por 3 segundos e ao abri-los começa a dizer calmamente:

-Não sei quem você é, de onde veio, ou o que quer, mas tenho certeza de uma coisa, você é só um homem infeliz frustrado, não pode mudar nada no mundo.

O Homem começa dizer com tranquilidade e sinceridade:

-Tudo o que acabou de dizer é verdade, sou só um homem frustrado, mas você não é diferente de mim, o futuro te mostrará isso... Ou talvez não...

Thiago então olha o relógio, levanta, e diz:

-Faltam 4 minutos pras 23:00, estou indo embora, foi bom conversar com vocês.

José levanta e completa:

-Também irei, isso está muito bizarro, tanham uma boa noite.

Ambos pagam a conta e saem. Logo o Homem levanta paga a conta e diz:

-Já vou, adeus...

Ele sai pela porta da frente, e caminha rapidamente, deixando apenas a fumaça de seu palheiro para trás.