Os olhos

Os olhos negros da moça apenas reafirmaram a ideia à mente da jornalista, logo toda essa corroboração fez com que Tatiane, a repórter, desse um passo para trás, deixando o nervosismo esperado aparecer naquele momento crucial. Tatiane era ainda jovem e inexperiente; começara a se interessar por estas coisas através de livros, mas a experiência e o hábito, essenciais para o trabalho, lhe faltavam. A moça, cujo nome é desprezível, manteve a mesma expressão gélida, como se esperasse uma reação firme da jovem. Toda a cena, porém, continuou a mesma durante aproximadamente cinco minutos; não obstante, pareciam décadas e décadas de um silêncio constrangedor e insípido que até o mais sociopata dos homens é capaz de captar. E tudo se iniciou com o olhar.

Para a jovem, tudo externo ao silêncio estava passando muito depressa, outrossim as luzes dos postes somavam com as dos faróis acostumados dos carros, gerando nela um enjoo infantil; mas, para a moça, as luzes não lhe incomodavam mais, nem a estupidez dos homens lhe incomodava! e tudo o que fazia era olhar inexoravelmente para Tatiane. Na mente da jornalista, o caos reinava, como Kim Jong Un comanda a Coréia do Norte à seu bel prazer. Porém quem exercia o papel do tirano era a ideia que fora compartilhada pelo negro e austero olhar. O bater da luz nos olhos da moça e a grande quantidade por eles absorvida; o vai e vem indiferente dos raios das luzes de automóveis a passar tranquilamente pela avenida, sem prestar a devida atenção àquele profundo ocorrido e a lua soberana, que se fazia presente por entre as nuvens daquela noite parada de leve garoa melancólica, eram elementos que enalteciam bruscamente a ideia, fazendo a jovem repensar acerca de sua carreira, ficando alheia ao seu alheio dever de repórter. E foi neste instante que Marcos, o cameraman, teve que intervir, ao perceber que a colega congelou. Tatiane logo despertou de seu mundo e voltou à monotonia de sua vida, mesmo com a ideia assombrando-a até o fim do expediente.

Chegou em casa sôfrega, sentindo um forte aperto no coração. Se jogou em sua poltrona escarlate e felpuda, descansou os braços nas laterais, enquanto atirava seu salto vermelho com um forte chute. Seu cachorro, que antes dormia, veio tentar animar a dona, pois a coitada derrocou fortemente sobre a almofada aconchegante da cadeira e isso não passou despercebido pelo cão. Vendo seu animalzinho, Tatiane fez-lhe um carinho atrás da orelha, e viu a chance de desabafar e tirar esse temor de seu corpo, já que o pobre Rufus não entenderia o que ela diria nem perceberia o peso da ideia, então não tardou e disse aliviada:

-Memento Mori.

TTSGG
Enviado por TTSGG em 26/11/2017
Reeditado em 30/11/2017
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