O homem na lanchonete

O sorvete à minha frente é de morango. Não é o meu favorito, mas assim mesmo é gostoso. Fico olhando para ele e pensando. Sorvo ele com colheradas bem grandes. Eu sempre me senti pouco à vontade tomando sorvete na frente dos outros. Eu sempre me sinto desconfortável quando me olham.

Levanto a cabeça e olho ao redor. A lanchonete está lotada de gente. Apalpo minha valise. Raindrops keep falling on my head invade com seus acordes o ambiente. Gosto muito dessa música, ela faz-me lembrar de coisas que ficaram para trás há muito tempo. Há uma moça bonita usando minissaia e comendo “banana Split”. Ela conversa com outra moça e ambas riem. Risadas altas daquelas que fazem as pessoas procurarem quem está rindo. Acho que ambas estão felizes. Ao meu lado está um senhor de gravata que come um sanduíche e suja de farelo os bigodes. A moça bonita observa que eu estou a olhá-la. Fica cheia de si e começa a rir mais e a falar mais alto. Mais adiante estão dois adolescentes em uniforme escolar comendo salgados e falando acerca de algo que não faço a menor ideia. Uma senhora com dois garotinhos tomando sorvete, não de morango como o meu, acho que de chocolate.

Eu estou um pouco nervoso e não desgrudo da valise. Algumas pessoas se levantam; outras procuram lugares desocupados. A moça de minissaia tem as pernas bonitas. Chega um sujeito com cara de “rato” e com pinta de quem trabalha contando dinheiro. Fico pensando que daqui a pouco terei de levantar-me e ir embora. Quem vai ocupar o meu lugar? Terei que descer dois lances de escada para chegar ao térreo e finalmente a rua. À minha frente um sujeito com a namorada, ambos comendo pizzas. A moça usa aparelho nos dentes. Será que é difícil comer com um treco desses na boca? Decido que já é hora de ir embora.

Levanto-me. A moça de minissaia me olha. Coloco a valise em cima da mesa. O homem que come o sanduíche limpa os bigodes. Abro a valise. O casal de namorados pede a conta. Um dos garotinhos deixa cair um pouco de sorvete no chão. Retiro de dentro dela uma submetralhadora e um revólver automático. A moça bonita arregala os olhos. Algumas pessoas levantam a cabeça, outras se perguntam o que ocorreu.

Tudo é muito rápido. O sujeito ao meu lado abre a boca assustado e eu atravesso seu peito com um tiro de revólver. O sanduíche fica no prato, dessa vez com um novo molho: sangue. Os versos da música continuam tocando... Nothing’s worrying me! It won’t be long. Till happiness steps up to greet me (“Nada está me preocupando! Não vai demorar muito para a felicidade me encontrar”). Algumas pessoas se levantam e começam a correr. Pego a submetralhadora e disparo cinco rajadas nas duas moças à minha frente. A moça bonita de minissaia é atirada para trás quando a atinjo. Seu sangue respinga por cima do balcão. Sua amiga de risadas e conversas nunca mais falará nada, pois seu rosto foi transformado em uma pasta disforme de sangue, pedaços de pele e ossos.

A gritaria que se segue é horrível; as pessoas se atropelam e se jogam ao chão; se escondem. Levanto a submetradora e atiro “em leque” em um grupo de vinte ou trinta pessoas, que tentam desesperadamente sair por uma porta lateral. Imbecis! Será que eles não veem que uma porta estreita como essa não permite a passagem de mais de duas pessoas de cada vez? Atiro a esmo sabendo que não há como errar. Elas caem umas por cimas das outras. Um menino cai levando consigo um homem. Atiro neles; descarrego a submetralhadora. O que sobrou deles não dava para distinguir direito.

Um homem pula em cima de mim tentando tomar minha arma. Saco a faca que trazia escondida junto à bainha da calça e a cravo no seu peito; ele dá um grito rouco e me solta. Escuto gemidos, gritos. Observo que há uma mulher escondida por trás de uma pequena mesa; talvez seja uma funcionária. Recarrego a submetralhadora. Não há praticamente ninguém mais na lanchonete: não em pé. Dirijo-me até onde a mulher está escondida e disparo dois tiros. Erro. Ela corre. Não deveria ter feito isso! Pego o revólver, faço pontaria e a derrubo.

Olho ao redor e o que vejo é sangue. Sangue misturado com pizzas e miolos. Vidraças quebradas, mesas derrubadas pelo chão. Gente gemendo. Uma garrafa de refrigerante intacta por cima do balcão. De repente o silêncio do meu cérebro diz que é hora de descer e ver o que há lá embaixo. Uma aglomeração de pessoas está se formando. Está chovendo. Gotas de chuvas caem sobre a minha cabeça. O que será que houve?

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 26/02/2018
Reeditado em 08/04/2018
Código do texto: T6264386
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