O MISTÉRIO DA FAMÍLIA PRECIOSA

— Não, não é para ver o Castelo do Conde Drácula. Nem gostamos de filme de terror. Vamos para ver as paisagens maravilhosas da Romênia.

Jade tinha que explicar isso toda vez que dizia a alguém que passaria a lua de mel naquele país e a pessoa perguntava: “Que legal! Vão visitar o Castelo do Conde Drácula?” Não foi diferente com seu colega de trabalho.

Ao chegar no barzinho onde jantariam antes de irem vistoriar o apartamento de futura moradia, Jade perguntou a Rúbio:

— Você também tem que dizer várias vezes que não vai visitar o Castelo do Conde Drácula? – enfatizou o “não vai”.

— Sim. – sorriu – O pessoal pergunta mesmo. Especialmente quem sabe que não curtimos filme de terror; só para sacanear. “Por que vão, então?” Respondo que é pelo histórico. – encheu os copos com cerveja.

— Falo que é pelas paisagens, assim não preciso ficar me estendendo nas explicações.

Entreolharam-se e sorriram, brindando.

Casamento, festa e, finalmente, lua de mel. Partiram para tão falada Romênia.

Fizeram tudo o que planejaram, com visitas a parques e castelos (não àquele).

No café da manhã do último dia, Rúbio comentou, olhando para a mesa e servindo-se:

— Pessoal botou medo na gente, dizendo que seríamos assombrados, possuídos, abduzidos e sei lá mais o que, mas nada aconteceu.

Achou estranho o silêncio de Jade.

— Tudo bem?

Como se saísse de um transe, respondeu:

— Sim, sim estou. Só estava tentando me lembrar de um sonho estranho que tive essa noite...

— Bem que achei que você se mexeu mais do que o de costume. – sorriu e mordeu um bom naco da torta.

— É mesmo? Mas não consigo lembrar... só sei que foi estranho. – apoiando a cabeça na mão em punho, com o cotovelo sobre a mesa, enquanto mexia a colher na xícara do café.

— Foi um pesadelo? – Rúbio parou, preocupado.

— Não sei... Deixa prá lá. Foi só um sonho. – ajeitou-se na cadeira, sorriu e beijou Rúbio.

Voltaram para o Brasil e começaram a vida de casados. No mês seguinte, Jade soube que estava grávida.

Felicidade geral até que ela começou a sonhar com um homem estranho. Com certeza não o conhecia, mas ao mesmo tempo lhe parecia familiar. Contou para Rúbio na primeira vez; na segunda, ele ficou enciumado. Decidiu não contar mais.

Na noite anterior ao exame para saber o sexo do bebê, Jade sonhou com o mesmo homem. Acordou e ele estava do seu lado. Inclinou-se e lhe disse ao ouvido: “Jaspe”. Colocou a mão na barriga dela. A sensação da mão gelada a fez acordar de fato. Sentou-se na cama, encostada na cabeceira, procurando enxergar alguém no quarto. Rúbio acordou de sobressalto.

— O que foi?! Você está bem? – num misto de assonado e assustado.

— Tudo... Foi só ... uma falta de ar. – disfarçou. – Vamos dormir.

Jade virou-se para o lado e tentou lembrar o que lhe dissera o homem. Adormeceu sem conseguir.

O exame revelou ser uma menina.

— Menina! – adorou Rúbio. – Colocaremos o nome da minha mãe, como combinamos.

— Éééé..., então. De repente, Jaspe me parece mais adequado; sabe: Jade, Rúbio e Jaspe: uma família preciosa. – sorriu amarelo. Sentia que no fundo não era bem esse o motivo.

Apesar da sugestão médica, Jade preferiu o parto normal. Após exatos 666 minutos de sofrimento, a mãe estava em estado lamentável, mas a filha nasceu sorrindo. Só ela sorria.

Recuperada, Jade quis ver a filha. Achou-a linda, mesmo recém-nascida, embora puxasse na genética de ambas as famílias os olhos claros da menina. Rúbio, ao vê-la, sugeriu que fosse só naquele momento.

— Ainda nem dá para ver a quem ela puxou. – brincou.

Com o tempo, a menina sugava cada vez mais intensamente o leite da mãe, chegando ao ponto de sangrar. Jade começou a ficar desesperada.

— Não aguento mais! Ela vai arrancar meus mamilos! – tirou Jaspe num puxão que quase a fez desfalecer. A menina esticou os braços querendo voltar, berrando a todo tímpano.

— Meu Deus! Que pulmões e força tem essa menina. – Rúbio, com dificuldade, segurou Jaspe no colo. – Fique quieta! O que faremos?

— Não dá mais para mim. Darei mamadeira. – Jade foi medicar-se.

Ledo engano. Jaspe recusava a mamadeira e se irritava cada vez mais. A vizinhança já estava estarrecida.

— É impossível continuar assim. Marcarei uma consulta com um pediatra.

— Marque fonoaudiólogo também. Para os três. – pediu Rúbio.

Depois de tempos, o homem apareceu em sonho para Esmeralda. “Até amanhã”, disse-lhe ao ouvido.

Na clínica, chamada a sua senha, ao entrar e dar de cara com “o homem”, Jade prostrou-se na cadeira.

— Jade! – Rúbio a amparou.

— Tudo bem, senhora?

O sorriso e o olhar do homem eram hipnotizantes.

— Tudo bem. Foi só... cansaço, eu creio. – disfarçou, assustada.

— E então? Em que posso ajudá-los? – pegou uma ficha médica para anotações.

— Nossa filha, Jaspe, não quer mais mamadeira nem papinha e eu não consigo mais dar o peito porque me machuca. Está muito agitada e não sabemos o que fazer. – mostrou-a ao médico.

— Ora, essa criança linda? – esticou os braços para pegá-la.

Jaspe nunca fora no colo de ninguém, mas jogou-se nos braços do médico. Jade e Rúbio se entreolharam, incrédulos.

— Por que mesmo a senhora não consegue mais amamentá-la? – quis saber enquanto brincava com Jaspe.

— Porque ela estava mordendo e tirando sangue. Não suportei mais. – respondeu com pesar como se cometera o pior dos crimes; mas olhando-o fixamente.

— Então, vejamos: não dá para mamar no peito porque sangra e mamadeira de leite ela não quer. – pôs-se a pensar, batendo o dedo indicador na mesa. – Só tem uma solução. – tipo “Eureka!” –. A senhora fará mamadeira com o seu leite misturado a seu sangue. 30% de sangue, para começar. – sorriu, olhando para os pais atônitos, como se tivesse receitado algo corriqueiro, e afagava a bochecha de Jaspe, que parecia sorrir também.

— O senhor está maluco! – Rúbio levantou-se da cadeira. – Dê-me minha filha. Vamos denunciá-lo no CRM! – Vamos querida.

Jade por instantes permaneceu sentada, como se a esperar por outras instruções. Mas, acompanhou Rúbio assim que ele a tocou.

— Tchau, filha. – ouviram o médico dizer.

— O que o senhor disse?! – cobrou Rúbio, transtornado.

— Tchau, Zafira. Não é este o nome dela? – disfarçou, sarcástico.

— Não! – saiu bufando.

Foram direto na recepção.

— Na sala 6 tem um médico maluco. Me dá o nome dele que vamos registrar uma reclamação. – Rúbio procurava uma caneta sobre o balcão.

— Meus senhores, deve haver um equívoco. A sala 6 está fechada, em reforma. Não pode haver médico lá. – argumentou a supervisora, sem entender nada.

— Como não! Acabamos de sair de lá. Vamos lá ver para você não ficar encobrindo o desleixo do médico. – Rúbio a fez acompanhá-lo.

Subiram. Rúbio foi na frente e quando quis abrir a porta... Trancada.

— Como assim! Acabamos de sair daqui. Vocês viram o médico que saiu daqui? – perguntou aos que esperavam pelo atendimento. Negaram.

— Não... não havia ninguém. – olhou para Jade, derrotado. – Vamos embora daqui.

Foi só chegar em casa que Jaspe começou a chorar. O esgoelar só aumentava, para o desespero dos pais. Sentada no sofá, com a cabeça entre as pernas, Jade tomou uma decisão.

— Vou fazer aquela mamadeira para ela...

— Você está maluca?! – Rúbio tentou segurá-la.

— Você tem alguma ideia melhor?! – gritou, livrando-se.

Não. Não havia uma ideia melhor.

— Rúbio... Rúbio! – gritou da cozinha.

Encontrou-a quase que desfalecida, sentada numa cadeira, apoiada na pia.

— Dê...isso...para ela. – estendeu-lhe a mão ensanguentada.

— Meu Deus. Você ficou maluca. – mesmo assim pegou a mamadeira.

Jaspe parou de berrar e abriu um sorriso de canto de boca sarcástico, com a expressão de quem conseguira o que queria. Tomou da mão de Rúbio e ficou quieta na cadeira de bebê, mamando e olhando para o pai.

“Meu Deus. Essa criança não é normal. Tá tudo muito estranho. Parece uma história de terror.” – olhou para a cozinha e lembrou-se de Jade.

— Jade! Como você está? – ajudou-a a se recuperar. – O que está acontecendo?! – sentou-se à mesa apoiando os cotovelos, amparando a cabeça que parecia querer explodir. – Essa criança só tem três meses, mas parece que entende tudo. Você vê as caras que ela faz? Dá medo. Ela tomou a mamadeira da minha mão e ficou lá me olhando como se eu fosse a próxima vítima do seu apetite. E aquele médico? Ela foi com ele como se já o conhecesse. E ele sumiu! – já quase chorava.

Ela foi afagar os cabelos dele e confortá-lo.

— Só sei que é com aquele homem que sonho desde que estava grávida. Foi ele quem mandou dar o nome de Jaspe. Você não imagina o susto que tomei ao vê-lo naquela sala, real, em carne e osso. – abraçada a Rúbio, duvidou da veracidade da expressão “real, em carne e osso”.

De repente, Jaspe apareceu na porta da cozinha, exibindo a mamadeira...e os dentes.

— É, mamãe. Parece que a medida de sangue não foi o bastante.

Quando a polícia chegou na casa, a cozinha estava da cor do rubi.

Rinaldo Saracco
Enviado por Rinaldo Saracco em 05/04/2018
Código do texto: T6300761
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