O AMOR DE LAURA

O sono custou a vir e quando chegou veio acompanhado de calores e sonhos estranhos. De repente abriu os olhos. Era madrugada alta, a casa estava silenciosa. Na estrada não se escutava sequer o som dos carros. Laura sentou na cama sentindo a angústia se formar bem no meio do peito. Sempre fica nervosa quando o Ricardo viajava. Ele não ligava, não dava notícias. Pegava o caminhão e sumia por semanas pelas estradas do Brasil. Custava ligar, dizer onde estava? Talvez tivesse alguma mulher em outra cidade. Era só o que faltava o Ricardo ser bígamo. É assim que se diz, né? Bígamo.

Mesmo assim Laura amava o Ricardo. Ele era meio louco, impulsivo, bebia demais às vezes. Mas tinha um coração de ouro. Quando estava em casa a gargalhada dele enchia cada canto. Era por isso que ela se sentia solitária daquele jeito. Tudo era triste quando o Ricardo estava viajando.

Laura despertou de repente às seis horas da manhã. Nem tinha se dado conta que havia dormido de novo. Levou um susto. Ricardo estava sentado ao seu lado, na cama.

– Ai, homem de Deus – quase gritou ela agarrando o lençol com força. – Nossa! Você chegou quando?

Apesar do susto, Laura se sentiu feliz. Seu amor tinha voltado. Ricardo deu um sorriso leve e acariciou o rosto dela.

– Gostou da surpresa? Não queria assustar você.

– Claro, querido – Laura enlaçou o pescoço dele. A barba mal feita roçou no seu rosto. – Senti tanta saudade. Venha, deita aqui comigo.

Ricardo se espichou ao lado dela. Parecia cansado. O rosto estava um pouco triste. Geralmente ele voltava das longas viagens louco para fazer amor.

– O que você tem, meu anjo? – Laura se aninhou junto ao corpo dele. – Você está esquisito.

– Só estou exausto – disse ele puxando-a mais para junto de si. – E com saudades também.

– Vamos ficar bem juntinhos, então. Para sempre – ela fez uma pausa e perguntou. – Quando você vai viajar de novo?

Ele não respondeu. De tão cansado o homem ferrara no sono. Laura sorriu. Coitado, devia ter viajado a noite inteira. Ela não se importou. Era bom demais ter o marido de volta. E todas as suspeitas que ele teria outra mulher se perderam quando Laura ferrou no sono mais uma vez.

A manhã já estava pelo meio quando fortes pancadas na porta a despertaram. Laura despertou já assustada. Nossa, quem batia daquele jeito? Ricardo não estava ali.

– Amor! Abre a porta!

Ninguém respondeu e as batidas continuaram mais fortes ainda. A voz do seu irmão mais velho se fez ouvir:

– Laura! Ei, irmã! Você está em casa?

Laura pegou o chambre, se enrolou nele e correu até a porta, descabelada e descalça. Quando escancarou a porta deu de cara com o irmão mais velho.

– Mário, o que houve? Nossa, pra quê tanto desespero?

Mário entrou na casa e fechou a porta. O rosto dele estava terrível.

– O que foi, criatura? – Laura pôs as mãos na cintura um pouco aborrecida. – Aconteceu alguma coisa com sua família?

– Preciso contar uma coisa para você.

– Então desembucha. Você viu o Ricardo lá fora?

– O Ricardo?

– Sim, ele voltou de viagem hoje cedo. Me acordei com ele sentado na nossa cama às seis horas da manhã. Depois peguei no sono de novo e só acordei com você batendo feito um louco na porta.

– Laura, houve um acidente grave com o Ricardo.

Ela empalideceu.

– Quando? Onde?

– Você tem certeza que não sonhou? O caminhão do Ricardo desceu uma ribanceira ontem à noite, de madrugada. Não sobrou nada, Laura. Nada – Mário fez uma pausa. Tudo era muito difícil para ele também. – Ele se foi.

Laura não quis a ir ao velório e ao enterro do marido. Para ela todos estavam mentindo. Os dias passaram e ela recusou as sugestões dos irmãos de fechar tudo e ir para outro lugar. Era de lá que Laura gostava. Toda a noite Ricardo chegava e jantava com ela. Depois os dois iam para cama e ficavam bem juntinhos até o sol raiar. Assim era a vida de Laura. As pessoas diziam que ela estava louca, mas se loucura era aquilo, que todos soubessem que era muito feliz daquele jeito. E que todos um dia tivessem a sorte de ter um amor como ela tinha.

Maria Caterinna
Enviado por Maria Caterinna em 14/04/2018
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