A MÃE DE BELLA (Parte 3)

Era uma ordem. Fiz o que ela havia mandado, tendo consciência daquela terceira taça de vinho vazia sobre a mesa. Ficamos em silêncio por uns dois minutos. A única coisa que se ouvia era o som dos talheres nos pratos. De repente Bella começou a falar com alguém.

– Quer uma taça de vinho, querida?

Fiz que não escutei. Meu coração disparou de vez.

– É o seu vinho preferido – Bella arrematou.

Ela, enfim, serviu a taça vazia, quase transbordando tudo. Fiquei com medo de perguntar para quem era.

Eu sabia para quem.

Engoli em seco e tentei dizer alguma coisa. Não saiu uma palavra sequer da minha boca. Novamente Bella falou:

– Hoje é uma noite muito especial porque você está aqui com a gente.

Pensei que Bella estivesse se dirigindo a mim. Porém, os olhos dela miravam algo atrás da cadeira onde eu estava sentada.

– Ela está logo ali.

Desta vez Bella falou para mim. Pousei o talher no prato e respirei fundo. Precisava manter a calma de qualquer jeito.

– Ela quem, Bella?

Minha voz mal saiu. Bella me encarou e lançou um sorriso triunfante.

– Ora, quem mais? Minha querida mamãe!

Cheguei a piscar. Bella estava definitivamente louca. Curvei-me um pouco sobre a mesa para ficar mais próxima a ela. Bella já havia bebido demais. O álcool estava deixando minha amiga mais pirada do que nunca.

– Sua mãe morreu – sussurrei. – Você mesma me contou.

– É mesmo? – Bella falou de um jeito irônico. – Então olhe para trás. Vamos, olhe para trás.

Fiz o que ela dizia. Voltei-me lentamente e fixei meus olhos em uma sala repleta de sombras há alguns passos de nós. No início não vi nada. Depois visualizei uma sombra. Parecia não ser nada demais e eu até deixei escapar um suspiro de alívio. De súbito, a sombra se moveu.

Levantei tão rápido e tão apavorada que a cadeira tombou para trás. Me virei para Bella e ela continuava bem sentada, encarando-me, inocente.

– O que houve, querida? Você não quer conhecer minha mãe? – Bella esticou os olhos para além de mim. – Mamãe, estamos esperando você!

O lustre começou a tremer acima de nós e eu soltei um berro. Bella tentou me acalmar:

– Está tudo bem. Sente-se e volte a comer. Teremos uma excelente noite. Nós três.

Era demais para que eu pudesse suportar. Saí correndo dali e atravessei a sala mal sentindo as pernas. Peguei a chave do carro sobre a mesa do hall e abri a porta. Um vento frio me deixou entorpecida no primeiro segundo. Em seguida recomecei a correr.

– Volte! – ouvi Bella gritar. – Você não pode nos deixar assim! Você é nossa hóspede!

Me surpreendi com a voz de Bella. Minha amiga estava furiosa, quase esbravejando. Apertei com força a chave entre os dedos disposta a sair de lá o quanto antes. Porém, já perto do carro escutei os passos fortes de Bella no meu encalço. Segundos depois nos embolamos no chão.

– Você não pode ir, não me deixe sozinha aqui!

Ela chorava com o corpo sobre o meu, segurando meus pulsos de encontro ao chão. Eu solucei, em pânico. Os olhos dela estavam vidrados me fitando e o hálito regado à álcool me deixou nauseada.

– Me solta, Bella! Eu não quero mais ficar nesta casa!

Atingi o estômago de Bella com o joelho. Ela urrou e caiu para o lado e foi o bastante para que eu me levantasse, tropeçando nas minhas próprias pernas. Bella foi rápida e ficou em pé rapidamente. Senti uma ardência no braço e um filete de sangue começou a escorrer. Minhas pernas falsearam quando me dei conta que havia levado uma facada superficial. Tonteei ao ver meu sangue, mas logo me recuperei. Consegui abrir a porta do carro e me joguei para dentro. Fiz o motor funcionar e quando acelerei Bella surgiu de repente na frente, pondo as mãos sobre o capô, impedindo minha passagem.

– Não vá! – ela rugiu. – Você disse que passaria o final de semana aqui comigo!

Freei o carro bruscamente, parando a centímetros dela. Bella deu um chute no para-choque, alterada. Fiquei com medo. Com mais medo ainda. Acelerei o carro, dando a entender que passaria por cima dela se fosse preciso. Bella, no entanto, fez pouco caso da minha ameaça. Deu uma das suas gargalhadas debochadas e uma pedra grande e afiada surgiu em suas mãos. Não tive dúvida. Antes que Bella quebrasse o vidro do automóvel e me ferisse, fui mais rápida. Enfiei o pé no acelerador e o carro a jogou para cima.

Foi algo horrível e eu não tive alternativa. Sequer olhei para trás com medo de ver o corpo de Bella estendido desconjuntado no chão. Pus o pé mais fundo no acelerador, ansiosa para me ver livre daquele lugar desgraçado. Porém, o álcool e o medo prejudicavam a condução do automóvel. Nos primeiros metros fiz zigue-zague na via deserta, tirando fininho das árvores que ladeavam o local. Respirei fundo várias vezes e mesmo assim o pavor não havia jeito de me abandonar. O lugar era escuro e silencioso e nunca desejei tanto ver as luzes da cidade. A casa ficou para trás e quando achei que talvez estivesse um pouco mais segura, escutei um estouro vindo da parte traseira do carro. Perdi o controle da direção, fiz força para manter o automóvel na estrada, aos berros. O pneu havia estourado e me vi obrigada a pisar no freio quando me dei conta que estava indo direto de encontro a uma árvore. Mas não teve jeito. O carro, desgovernado, bateu de frente em uma árvore grande. O solavanco me deixou tonta e acho que perdi a consciência por alguns segundos. Quando abri os olhos novamente percebi a presença de alguém ao meu lado. Não tive nem tempo de respirar aliviada pelo socorro que pensei em estar próximo.

A mãe de Bella sorria malignamente, arranhando o vidro com suas unhas podres. Eu gritei e tentei dar a partida no carro. O motor nem se mexeu. Ela bateu com força na janela e colou o rosto no vidro. Me joguei para o banco do carona. Meu corpo doía. Eu não tinha a menor chance de escapar daquela loucura.

Então apaguei.

Maria Caterinna
Enviado por Maria Caterinna em 24/04/2018
Reeditado em 24/04/2018
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