Noite de Chuva - Final (Ufa!)

Capítulo III – Final

Quando todos passaram a se fixar na porta da classe, apavorados, uma gargalhada partiu da professora de dramaturgia. Ainda sob a comoção do susto, os alunos custaram a compreender a brincadeira, mas, quando Dona Mercedes começou, com um lenço, a retirar a camada de giz com que havia empalidecido o rosto e a sombra escura das pálpebras, eles também começaram a rir e acabaram a aplaudir, veementemente, a ótima representação que haviam assistido.

Refeitos dos momentos de suspense, ouviram a professora proferir:

- Assim como representei, com alma e expressão corporal, a personagem, e aproveitando o ambiente criado pela noite de chuva, fiz com que vocês acreditassem naquilo que eu queria; na arte dramática, é preciso que o artista assuma de corpo inteiro, a interpretação. O absurdo que lhes contei aqui foi aceito e os amedrontou, porque eu o tornei verdadeiro; absorvi a atenção de todos e não lhes dei tempo de raciocinar. É indispensável que também o artista acredite no que faz, como se fosse coisa real, vivente, palpável, mesmo que seja – disse ela em tom caçoísta – interpretando o fictício sobrenatural. Que o artista seja, em cena, de fato, “o quê” ou “quem” pretenda ser.

A classe, eufórica, tornou a aplaudir, em pé.

Todos rindo e comentando, a ótima aula, se retiraram. Ciro segurou a mão de Aline e a sentiu ainda gelada. Meio contrafeita, a mocinha comentou:

- Eu não gostei da brincadeira. Se meu coração não fosse forte, eu teria morrido de susto. Ela abusou; sabia que acreditaríamos nela.

Depois, sorrindo, aproximou-se do rapaz:

- Ainda bem que eu vou com você, no seu carro... Eu continuo com medo!

Ele a abraçou pelos ombros e, caminhando juntos, se dirigiram para o estacionamento. Lá acenaram para a professora que, sorrindo, seguiu em seu carro, rumo à estrada.

A chuva havia parado; era-lhe fácil dirigir agora. Com calma contornava as alamedas da Universidade, enquanto lembrava as expressões de pavor estampadas nos rostos dos alunos. Ao passar em frente do cemitério, volveu a cabeça naquela direção e tornou a rir, imaginando o vulto encapuzado.

Pena que Mario, o seu marido, estivesse viajando. Ela também representaria para ele e os dois haveriam de se divertir com a peça que havia engendrado.

Como a chuva tornasse a cair, ligou o limpador de pára-brisa e ficou seguindo, com os olhos sorridentes, o movimento cadenciado das varetas que desenhavam dois leques no vidro.

Em pouco tempo alcançou a cidade e logo estava entrando na garagem subterrânea do seu prédio. Consultou o relógio: quase onze horas da noite! Havia se excedido na dramatização.

Estacionando na sua vaga, desligou a chave do carro e notou o silêncio total que reinava na garagem escura. Verificando a distância deserta que teria que vencer até ao elevador, sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Tentando afastar a má impressão que a assaltava, Mercedes apressou os passos.

Apavorada, ouviu aquele inconfundível chap-toc, chap-toc, chap-toc... A perseguí-la...

Christina Cabral
Enviado por Christina Cabral em 31/08/2007
Código do texto: T632586