A TESTEMUNHA

Eu já trabalhava com eles há algum tempo. Gente finíssima. Um belo casal. Posso dizer que eles levavam a vida que eu sempre quis ter. Ela, loira e de corpo escultural. Ele, um cara com os músculos no tamanho exato, barba sempre por fazer, um sorriso encantador. Até evitava olhar para ele, só o necessário. Tinha medo de me perder. Eu, porém, não era o tipo de mulher que o faria cometer um deslize. Rebeca era linda demais para que Marcos olhasse para mim com segundas intenções.

Eu era babá da Anabella, a filhinha de três anos deles. Rebeca e Marcos gostavam de sair à noite e badalar. Eles podiam fazer o que quisessem. Tinham grana para isto. Então era bem comum eu ser acionada para ficar com a garotinha. Me remuneravam bem e eu adorava quando o visor do meu celular mostrava que era Rebeca me ligando. Sinal de dinheiro fácil à vista.

Anabella era um amor, a cara de Rebeca. Um doce de criança, nem parecia de verdade. Sempre calma, adorava sorrir para mim, o mesmo sorriso do pai. Quando fui convidada para passar aquele feriadão no sítio não me importei de faltar às aulas. Tinha algumas contas vencidas e precisava urgente de dinheiro. Deus havia ouvido minhas preces e me mandara aquele trabalho. Então, uma sexta-feira ao entardecer entrei na caminhonete preta do Marcos e fomos para o sítio que eu ainda não conhecia.

Chegamos perto das oito horas da noite. O lugar era grande, mas como já estava escuro não deu pra ver muita coisa. Reparei que havia uma piscina, um salão de festas com churrasqueira e garagem para uns cinco carros. Fiquei sabendo que eles esperavam convidados para passar o feriadão por lá. Marcos e Rebeca tinham muitos amigos. A mim só caberia olhar tudo de longe e cuidar da Anabella. Mas aquele ritmo de vida que meus patrões levavam simplesmente me fascinava.

Um dos convidados chegou ao meio dia de sábado e os demais eram esperados somente no domingo. A orientação era que eu ficasse afastada de todos eles, apenas cuidando de Anabella. Marcos e Rebeca tinham total confiança em mim, tanto que fiquei encarregada da pequena enquanto eles se divertiam. Eu poderia ficar chateada com aquela situação, porém no fundo estava gostando muito. Quando teria chance de ficar em um lugar legal como aquele? Nunca na minha vida.

Eram mais ou menos três horas da manhã. Acordei com sons de algo quebrando, talvez uma garrafa. Depois vozes, vozes alteradas. Achei que fosse um sonho, mas me enganei. Era tudo muito real. Meu coração acelerou quando percebi que uma briga feia se desenrolava do lado de fora, lá embaixo. Anabella dormia a sono solto e eu corri para a janela e tentei enxergar o que estava acontecendo. O lugar que Marcos, Rebeca e o amigo se reuniam era visível do quarto. Me escondi atrás da cortina. Pude perceber que Marcos gesticulava muito com o outro cara, agressivo e Rebeca parecia tentar acalmá-lo. O amigo, um tal de Ricardo, também falava alto, fazendo grandes gestos. Rebeca estava muito nervosa, andando ao redor deles. Cacos de uma garrafa de cerveja estavam pelo chão.

De repente Ricardo avançou sobre Marcos de forma violenta e eu escutei claramente o grito de pavor de Rebeca. Por algum motivo Marcos foi pego desprevenido, cambaleou e caiu no chão. Os gritos de Rebeca aumentaram quando Ricardo se jogou sobre Marcos e ambos rolaram sobre os cacos. Eu, do meu esconderijo, tremia de pânico. Nunca havia visto uma briga tão feia, só em filmes. Agarrada na cortina pensei na hipótese de ligar para a polícia. Mas estávamos em um lugar afastado. Até chegarem aquilo já teria terminado em morte.

Uma faca surgiu nas mãos de Rebeca. Vi quando ela a pegou sobre a mesa e correu meio trocando as pernas até chegar próximo aos dois brigões que se socavam ainda no chão. Rebeca falou alguma coisa, mas a briga não cessou. Então, como se não houvesse mais alternativa, Rebeca segurou mais firme ainda a faca e a enterrou fundo nas costas de Ricardo que, naquele momento, levava a melhor sobre Marcos.

Tudo silenciou. Ricardo tremeu quatro ou cinco vezes e desabou sobre o corpo de Marcos. No segundo seguinte, Marcos empurrou o homem para o lado e ficou em pé, arfante. Rebeca pôs as mãos na boca, sem acreditar no que havia feito. Havia matado um homem. Pelo menos era o que parecia tal era a quantidade de sangue que se espalhava pelo chão. Por alguns instantes, o casal ficou abraçado olhando para o corpo. Depois, Marcos olhou para cima, direto para mim, na janela.

Não sei se fui vista. Me joguei no chão, desesperada, e me arrastei até a cama. Eu havia presenciado um assassinato. Cobri minha cabeça com o cobertor sentindo o coração trepidar no meu peito.

Eu era testemunha de um crime. E se os assassinos quisessem me eliminar também?

Maria Caterinna
Enviado por Maria Caterinna em 13/05/2018
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