Observador indiscreto

O mundo está lá embaixo. Está ao alcance da minha vontade ...

I

Minha posição é privilegiada, de onde estou posso ver muita coisa. Estou no alto de um prédio bem no centro da cidade. O vento é forte mais também é inspirador. Enquanto meus cabelos ficam assanhados pelo vento lembro de um monte de coisas que já aconteceram na minha vida. Lembro das coisas boas (bem poucas) e das ruins (muitas, eu diria).

Lá embaixo a vida transcorre em toda a sua plenitude. Carros buzinam, pessoas andam apressadas, outras param em frente às vitrines das lojas. Pela luneta eu vejo a fauna e a flora humana.

Olhando as pessoas pela luneta sinto uma sensação de poder. Escolho uma aleatoriamente. É um homem de meia-idade, ele está em frente a uma banca de revistas olhando um jornal, passa uma moça bonita e ele olha discretamente para ela. Desvio a luneta para uma mulher bem vestida que está falando ao celular. Ela tem cara e jeito de gente que tem grana. Agora meus olhos acompanham um casal que está de mãos dadas, eles são jovens, ela é mais alta do que ele. Uma espécie de voyeur maligno se apossa de mim ...

Minha mira telescópica permite a extensão do meu olhar para além de 1.800 metros. A sensação de poder é inebriante.

II

Estou aqui empoleirado como um pássaro. Um pássaro armado com um rifle de precisão. Basta um apertar de gatilho ... a tentação é muito grande.

Levei muito tempo vivendo como um invisível, alguém que nunca mereceu um olhar mais carinhoso. Essa cidade miserável vai prestar atenção em mim agora ...vou deixar de ser um perdedor.

Minha mira telescópica encontra pessoas que sequer imaginam que suas vidas estão nas minhas mãos. Enquadro uma mulher que espera o sinal fechar para poder atravessar a rua. Ela está há quase um quilometro de distância. Se eu quiser ela nunca chegará ao outro lado da rua ...

Enquadro um monte de pessoas em minha mira, percebo detalhes de suas roupas e até de seus rostos. Será que sou um semideus inclemente? Ou apenas alguém que não deu certo na vida?

A sensação de poder parece atravessar a minha epiderme. A vontade de apertar o gatilho me consome. Luto contra meus mais terríveis demônios.

Decido que não devo apertar o gatilho. É hora de descer. Abandono meu rifle, não sem antes dar uma última olhada para ele ...

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 16/05/2018
Reeditado em 16/05/2018
Código do texto: T6337603
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