UMA GAROTA PERVERSA (Capítulo 5)
O almoço custou a descer e Rafaela se viu obrigada a mentir para mãe que havia comido algo estragado na cantina da escola. A tarde previa ser longa. Rafaela tinha um trabalho para fazer, mas era impossível se concentrar em qualquer coisa. As redes sociais continuavam compartilhando fotos de Pâmela pedindo que se alguém a visse contatasse imediatamente a polícia.
Rafaela dizia para si mesma que não tinha mais nada a ver com aquilo. Se alguém a libertara do laboratório e aproveitara para dar sumiço nela aquilo não era mais problema seu. Talvez houvesse alguma pessoa que odiasse aquela cara de sonsa muito mais que Rafaela. Bem, até o dia do sumiço ela não chegava a odiar Pâmela. Mas agora, depois de toda confusão armada, Rafaela tinha muita vontade de esganar a garota. Isto é, caso alguém não tivesse feito isto primeiro.
Uma batidinha na porta do quarto fez com que Rafaela desse um pulo. Apesar do turbilhão dos pensamentos que lhe tiravam a paz, ela adormecera. Uma cabecinha com cabelos bem branquinhos olhou para dentro.
– Ai, vó... – gemeu Rafaela tentando controlar o nervosismo. – Que susto a senhora me deu.
A velhinha, de bengalas entrou no quarto. Um aroma de chá de hortelã veio junto. Dona Cecília parecia tão serena que Rafaela quase chorou de inveja. Como desejava sua tranquilidade de volta!
– Acordei você, Rafa?
– Não, vó – mentiu ela. – Só estava descansando um pouquinho.
– Você pode ir na padaria para mim? Estou louca de vontade de comer aquela torta de maçã com canela.
“Não, vó. Eu não quero ir. Estou assustada e com medo. Tem alguém me perseguindo. Tem alguém que sabe a merda que eu fiz. Eu não tenho tanta culpa assim, juro que não!”
– Claro, vó – Rafaela desceu da cama e foi logo calçando os tênis. Talvez fosse uma boa ideia sair de casa, afinal, e conferir se realmente estava sendo seguida.
De posso do dinheiro, Rafaela se dirigiu à padaria a uma quadra apenas de casa. Durante o trajeto olhou várias vezes para trás, acintosamente. Não encontrou ninguém que pudesse ser suspeito. Porém, quando uma viatura da polícia passou com a sirene acesa bem ao lado dela um pouco antes de entrar na padaria, as pernas dela fraquejaram. O carro seguiu em frente e quando Rafaela fez o pedido à atendente estava pálida e suando.
Disfarçando, ela enxugou a palma das mãos nas calças jeans. O lugar não estava muito cheio e não havia ninguém conhecido por ali. A atendente era lenta. Rafaela, com sua impaciência habitual, teve vontade de puxar os cabelos da moça e sacudi–los. A própria garota se surpreendeu com o pensamento agressivo que tivera. Nossa, não era para tanto.
– Desculpe – murmurou ela baixinho, quase inconscientemente.
– Como? – perguntou a moça, sorrindo.
– Nada – Rafaela se sentiu envergonhada. – Eu... estava falando sozinha.
Ela recuou um passo tentando disfarçar o constrangimento e, distraída, pisou no pé de alguém. Ao se virar para um novo pedido de desculpas, deu de cara com Marcelo.
– Oh, meu Deus – balbuciou ela, tensa.
– Sou tão feio assim?
Marcelo era lindo e sabia disto. Tanto que era o crush de 99% das garotas da escola. Inclusive de Rafaela. O garoto sorriu e ela se arrepiou. Mas de pavor.
O sorriso de Marcelo não era amistoso, muito menos conquistador. Havia algo por trás daquele sorriso e daqueles olhos verdes. Era como se ele conseguisse enxergar o que se passava na mente tumultuada de Rafaela. Como... se soubesse de tudo.
– Desculpe, Marcelo – ela sequer tentou sorrir para diminuir o constrangimento da situação. – Não vi que você estava... tão atrás de mim.
“Você estava controlando meus passos?”
– Aqui está, moça – a atendente, com sua voz simpática, estendia para Rafaela o embrulho com a torta de maçã e canela.
Rafaela estendeu uma mão trêmula sentindo a presença de Marcelo muito próxima de si. Se fosse em outra situação estaria adorando. Porém, havia algo mais ali. O rapaz a olhava de um jeito estranho, irônico, como se soubesse todo o drama que ela passava. Sim, porque se Rafaela se achava uma vítima tanto quanto Pâmela. Ela o olhou mais uma e tentou falar alguma coisa. Não conseguiu. Marcelo então sorriu, debochado.
– Boa tarde para você, Rafaela.
Ela saiu apressa da padaria quase esmagando a torta com os dedos. O caminho para casa foi tenso. Várias vezes Rafaela olhou para trás temendo estar sendo seguida por Marcelo. Mas nada aconteceu. A garota chegou sã e salva no prédio onde morava e olhou, acintosamente, para trás. O porteiro achou esquisito o comportamento de Rafaela e perguntou:
– Está tudo bem, moça?
Ela mal olhou para o lado. Passou rápida pelo homem e ignorou o elevador. Foi de escadas, subindo os degraus de dois em dois e chegou ofegante em casa.
– Vó! – ela abriu a porta. – Trouxe o seu doce!
Enquanto a vó saboreava a torta, Rafaela tornou a entra no quarto tentando assimilar seu encontro fortuito com Marcelo. Ele estava lá por acaso? Meu Deus! E se Marcelo estivesse lhe seguindo por saber de alguma coisa? Rafaela fechou os olhou. Se sentia cada vez mais enredada naquele horror. Não queria ir para a escola no dia seguinte. Não queria ter que encarar os olhares de desconfiança dos colegas.
Nunca Rafaela havia se sentido tão perdida na vida.