O AVISO

Dizem que a natureza cobra dos seres-humanos a seu tempo. Será mesmo?

Eu não sabia o que isso queria dizer até aquele fato, no mínimo, intrigante, ocorrer. Depois, pensei algo um pouco diferente. Acompanhe-me.

Depois de seu namoro, meu primo, Washington, nunca mais fora o mesmo. Sua namorada Luciana, sempre correta em suas atitudes. Moral e sensatamente agia e tomava decisões. Tudo andava bem até os 3 anos de namoro. Como não era daquelas garotas que se entregavam totalmente, em termos sexuais, o rapaz começou a ficar entediado. Era de se esperar ante à volúpia geral caracterizadora dos seus 22 anos de idade.

A moça tinha 20 e, apesar de suspeitar de que o namorado havia mudado, de repente, com atitudes de responder brutalmente a problemas corriqueiros, tinha muita paciência e, com isso, foi superando e norteando a relação.

Naquela madrugada em que Washington me ligara eu fiquei surpreso com sua voz entrecruzada.

Havia tirado com dificuldade meu braço direito do lençol e atendi ao telefone calmamente, contrastando com seu notável nervosismo.

Ele marcara um encontro em um barzinho ali perto de casa para onde fomos tomar uns “drinks”. Mas o que mais me intrigou era seu rosto enrugado. No seu olhar, ficaram latentes duas expressões: uma certa culpa reprimida e um sentimento de derrota tristonho. Eu o confortei com um afago no ombro e perguntei o que lhe havia ocorrido para ficar daquele jeito.

-Você não sabe o que me aconteceu, Márcio... – ele se debruçou sobre os cotovelos.

-O que foi?

-Sabe a cadelinha da Luciana, a Rebeca?

-Claro, o que houve com ela?

-Nada, com ela, nada. Mas é que ocorreu algo muito sinistro, cara – ele balançou a cabeça e o suor começou a escorrer em suas têmporas. Meu primo não era de ficar assim. Não o vira daquele jeito há muito tempo.

-Fala, Wash, o que aconteceu?

-Você sabe o quanto eu gosto daquela cadelinha, não é?

-Sei. (Não, não era isso. Mentira)

-Eu tenho muita afinidade com ela. Sempre a tratei bem e, quando posso, levo comida, pasta de carne temperada, ossinhos, tudo o que um bom cãozinho precisa. Mas, ultimamente, ela não tem me notado mais. Ela me isolou.

-Como assim? (Queria ter dito que ele nunca ligara para a cadelinha, mas se segurou) Nunca pensei que fosse tão preocupado com a reação daquela cadelinha de sua namorada. Sei que aconteceu algo para ficar tão preocupado que não tem a ver com o animal.

-É verdade, você sabe das coisas – ele me disse, com um risinho misterioso.

Eu o fitara seriamente e, com um olhar impaciente, havia esperado que ele, finalmente falasse.

-Olha, tá bom, vou direto ao ponto.

-Certo (Finalmente se tocou. Você e seu suspense. Tudo o que vai contar tem que valorizar, caramba?)

Eu estava irritado, como sempre. A ansiedade herdada, em muito, graças a meu serviço dinâmico não deixava que as pessoas tivessem o gostinho de contar o enredo. Não queria descrições das cenas. Não me interessava o passo a passo. Meu negócio era e sempre será o dinamismo. Coitado do meu primo.

Ele silenciara um momento e, escolhendo as palavras, havia prosseguido:

-Na verdade tem a ver sim com o animal, com o jeito que a Rebeca está me tratando. Ela sempre foi dócil, queria carinho, até se abaixava quando eu chegava, no quintal da Luciana. Mas na última semana vem ocorrendo o contrário.

-Como assim? –virei o copo inteiro de vodka (tinha algo ali, muito estranho. Muito diferente).

-Tudo começou na segunda-feira quando eu cheguei à casa de minha namorada. Eu fui tentar fazer carinho na Rebeca e ela se afastou. Ficou me olhando no fundo dos olhos, em seguida. Não entendi aquilo e, então resolvi chegar mais perto dela. Ela continuou parada me olhando.

-E depois? -enchi mais meu copo, balançando a pequena garrafa que brilhava com o reflexo de uma luz vermelha acima da gente (vamos cara, vamos, pelo amor de Deus; desembucha!).

-Depois não aconteceu nada. Isso foi o que aconteceu no primeiro dia. O mais curioso é que nos dias seguintes ela piorou sua recepção. Na terça, quando cheguei, ela correu para sua casinha com o rabo entre as pernas. Ouvi até um comentário da Lu que não sabia o que estava acontecendo para ela me tratar daquela forma.

-Hum, é estranho mesmo? E você, o que acha que houve? (Droga, que e era aquilo. Esse cara não reflete!)

-Ah, tenho minhas dúvidas. O problema é que ontem ela rosnou pra mim e não quer deixar mais eu entrar nem no quintal dela.

-Nossa. (Sério que ele se impressionou com isso?) Por que ela ficou com tanta raiva de você assim? Será que ela está com alguma doença? Já ouvi falar que os cachorros doentes ficam assim, primo, ficam estressados com algo que os incomoda e começam a estranhar qualquer pessoa que chegue da rua. Mas, sinceramente, nunca vi algo parecido com isso. e, como me disse, você sempre a tratou bem.

-Então, mas, acho que eu sei o motivo e, por isso, o chamei aqui. Parece estranho, porém, acho que tem a ver com isso. Sabe aquele assunto que te falei a uns dois meses que pensei em fazer? –Meu primo virou o copo inteiro de vodka e pediu mais antes de continuar. Olhou para uma garota que passou toda instigante ao seu lado.

-Hum, acho que já sei o que é – apontei para a moça – mulheres.

Ele hesitara um pouco e envergonhado respondera:

-Você, hein? – como sabe?

-Ah, posso dizer que é algo notório. Você não tira os olhos das garotas aqui do bar desde que a gente chegou, Wash. Sabia que tinha a ver com isso.

-Então, sabe, eu e a Luciana não estamos muito bem. Não temos relações e nosso namoro anda meio para baixo. Acho que também é culpa minha por não tomar a direção. Tenho algumas dificuldades em ideias novas e, sabe como é, ganho muito pouco para levá-la a lugares legais.

-Hum, eu sei, você tinha me falado. Mas não é isso que quer me dizer, não é? (Você não me engana, malandro. Não é seu feitio confissões em lugares públicos).

Abaixei a cabeça e pedi mais uma garrafa para a garçonete que passara rapidamente. (Sem preliminares, vamos aos fatos. Não quero saber de se tem dinheiro ou não, Wash!).

-Não. É que, por conta dessa situação que te contei, acabei saindo com outra garota que conheci no serviço. - Meu primo olhara para o lado e espremeu os olhos, procurando enxergar uma morena que passava.

-Hum. O que fez foi errado, mas, o que você acha disso? (Perguntou por perguntar, não esperava que conseguiria aguentar mais trinta segundos antes de ele desembuchar. Vamos!)

-Na verdade, não tinha sentido nenhum remorso pelo que tinha aprontado. O problema é que quando aconteceu aquilo com a Rebeca eu caí em desespero e culpa total. Ela percebeu o que eu fiz, será?

-Acho que sim, amigo. (Não, como assim? Um animal? Faça-me o favor) - Certo, me diga, então o que ocorreu depois? –sentei, novamente, após a garçonete trazer a outra garrafa.

-Hoje de manhã me senti arrependido e parei de sair com a outra. Resolvi que nunca mais farei isso com a Luciana. Conclui que a melhor coisa a fazer é assumir também minha responsabilidade pelo meu namoro estar desse jeito.

-Caramba, primo, tirou as palavras de minha boca (Ele estava mesmo amadurecendo. Um molecão virando homem!). Sabe por que sempre achei que as traições acontecem?

-Não.

-Primeiro por que as pessoas não assumem seus erros e defeitos. Depois, porque esses defeitos se tornam corriqueiros e acabam influenciando na vida do casal. Em seguida, o relacionamento vira um inferno porque um fica com raiva do outro e acaba querendo procurar o caminho mais fácil que é tentar achar outra pessoa sem aquele defeito do parceiro. É mais ou menos isso, que acho que acontece.

-Também acho.

No dia seguinte, recebera um ligação pela manhã. Era meu primo, novamente desesperado.

Fomos até a casa da Luciana, ao convite do Washington. Chegando lá Rebeca estava chorando.

Washington, em desespero, saiu correndo atrás da namorada que estava parada no hall logo após o quintal. Ele consolou-a em seus braços e eu vi a cena que não esperava: Rebeca estirada dentro de uma caixinha de papelão.

Nunca conhecera um animal tão perceptível assim.

No final de tarde, quando saímos da casa de Rebeca e fomos caminhando pela ruazinha de terra, perto da casa dela, as árvores balançavam com uma brisa que parecia dizer algo: “eu não sei se consegui falar antes de te deixar, mas pelo menos tentei e acho que consegui”.

Hoje meu primo e Luciana estão completando seus 10 anos de casados. Tem uma cadelinha linda, branquinha e peludinha como a vira-lata Rebeca.

Quando eles convidam-me para visitá-los sempre procuro notar o jeito como a cadelinha trata os dois. Vai saber se era verdade aquilo mesmo? Se fora, eu não tenho certeza e acredito que ninguém terá, mas que me fez pensar, e mexeu comigo, isso eu estou certo.

Alexandre Scarpa
Enviado por Alexandre Scarpa em 02/10/2018
Código do texto: T6465694
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