O Quadro do meu Pai
Era o aniversário do meu pai e ele ganhou um belíssimo quadro bem trabalhado de um amigo de longa data. O quadro retratava uma criança de boa saúde, risonha e alegre. Talvez o amigo de meu pai quisesse transmitir seus votos longevidade e juventude. Meu pai me mostrou empolgado seu presente e eu admirei muito; fiquei encantada com os detalhes e a qualidade da pintura. Parecia que haviam tirado a foto de um menino no seu momento mais feliz.
Meu pai colocou o quadro pendurado na parede, de frente para a escada. Toda vez que você subisse seria inevitável dar de cara com a figura. Certa vez, a convite dos meus pais fui passar uns dias na casa deles.
Meu antigo quarto continuava da mesma forma que eu havia deixado e minha mãe fez questão de zelar por ele. E relembrei com entusiasmo a minha antiga rotina entre livros e histórias.
À noite, fui dormir um pouco mais tarde. Passava da meia-noite quando senti sede; desci as escadas para beber água. Na volta, dei de cara com o retrato da criança, cheguei bem próximo e seus olhos pareciam tristes à beira das lágrimas. Procurei o interruptor e acendi a luz: o quadro da criança alegre. Impressão minha ou ilusão de óptica?
Desliguei e novamente seus olhos brilharam como se estivesse chorando.
Acendi. Sem o brilho nos olhos.
Ou o artista quis criar este efeito ou eu não sabia o que pensar.
Dois dias depois minha mãe limpava perto da escada.
- Bom dia mãe; o que está fazendo?
- Limpando esse aguaceiro aqui.
- Ah.
Fui assistir um filme, durante a noite, no meu quarto com a porta fechada. E no momento mais tenso do filme, escutei um murmúrio baixo, mas que deu para escutar. Abaixei o volume do som. Isso não tinha vindo do filme. Vinha de trás da porta.
Abri e não tinha ninguém. Andei pelo corredor escuro e o som continuava. Para direita aumentava e para esquerda diminuía. Enquanto eu me aproximava da escada o som ficava mais próximo, então comecei a ficar com medo de que viesse do quadro. Acendi a luz e o ruído parou.
Meu pai acordou.
- O que foi? Está sem sono? - ele sempre dizia isso.
- Não pai… Nada, eu só ouvi um barulho e...
- Não foi nada, pode ir dormir viu - a voz tranquila do meu pai acalmava qualquer coração.
Ele beijou minha testa e acompanhou-me com os olhos até entrar no meu quarto e apagou a luz.
Eram quase três horas da manhã quando despertei e peguei meu celular para ver as horas. Novamente escutei um murmúrio, depois o som de passos perto da porta. Meu pai, pensei.
Levantei e fui olhar. Abri a porta: ninguém.
Passei o corredor e cheguei próximo da escada. Acendi a luz e quase cai para trás quando vi o quadro vazio e a figura da criança havia sumido. Era inacreditável! O que aconteceu a pintura aquarela? Não era possível! Totalmente incrédula, peguei o quadro olhei em todos os ângulos, virei para frente e para trás, sacudi e nada. Instintivamente, corri para o quarto do meu pai e paralisei com a cena: a criança do quadro, pálida, com os olhos negros e tristes, debruçada sobre meu pai tentando sufocá-lo com o travesseiro.
Gritei mas minha voz não saiu.
- P... PA... PAAAI.... PAAI N... NÃAAO! NÃAAAAO!
- Khemet! Acorde minha filha!
Meus pais me acordaram.
- Calma; foi só um pesadelo. - disse minha mãe.
- Meu Deus! O que… - notei minha respiração acelerada.
- Você estava gritando e chamando por mim - disse meu pai.
Meu coração estava prestes a sair pela boca, meu pescoço estava suado e uma dor de cabeça latejante.
Já era manhã, quase meio dia.
- Já passou. Você dormiu tanto que está na hora do almoço.
- Tome um banho e venha - disse minha mãe.
Quando fui descer as escadas o quadro não estava mais lá. Fiquei apreensiva.
- Pai, onde está o quadro da criança?
- Eu levei para meu gabinete.