O Candidato da Manchúria
E quando Puyi, o imperador destronado, desembarcou em Port Arthur, encontrou à sua espera o general Masahiko Amakasu, do Exército Imperial Japonês. Amakasu curvou-se rigidamente perante o nobre visitante.
- Fez boa viagem, imperador?
- Melhor do que minha fuga de Tianjin no porta-malas de um carro - tentou gracejar Puyi. Na verdade, estava assustado com as repercussões do seu gesto e ciente de que havia queimado seus navios com a fuga: o governo chinês o procurava agora por traição.
- Tudo vai ficar bem, imperador - assegurou afavelmente o general, ajeitando os óculos de aros redondos no rosto impassível.
Escoltado por Amakasu e seus soldados, Puyi foi levado até uma estação ferroviária próxima, onde embarcaram num trem que os aguardava.
- Reservamos as melhores instalações do Hotel Yamato para o seu conforto - informou o general, tão logo acomodaram-se frente à frente num vagão de primeira classe, e a composição deu partida.
E perante o ar de dúvida do convidado, acrescentou:
- O hotel pertence à Ferrovia do Sul da Manchúria. Talvez não esteja à altura de sua residência em Tianjin, mas providenciaremos um palácio condizente com seu cargo, tão logo tenha sido entronizado como imperador de Manchukuo.
- Ah, sim... imperador de Manchukuo... embora meu desejo fosse o de ser reinstalado no trono da China - comentou em tom casual.
A máscara de condescendência de Amakasu foi quebrada. Retorceu a boca e inclinou-se para a frente, para sussurrar:
- Lamento, imperador Puyi... mas quando vencermos a guerra, a China estará subordinada a um só imperador: o do Japão. Banzai!
- Banzai - repetiu assustado Puyi.
Amakasu voltou à sua pachorra anterior. Estendeu o braço esquerdo sobre o encosto da poltrona vizinha e encarou o interlocutor por detrás das lentes redondas.
- O senhor me conhece, imperador?
- Não, general - admitiu Puyi, apreensivo com o rumo da conversa.
- Então vou lhe dar uma informação importante, para sua própria segurança. Eu estive preso em Chiba. Sabe por quê?
- Não faço ideia - gaguejou Puyi.
- Prendi, mandei espancar e estrangular um casal de anarquistas japoneses... gente conhecida. Ah, e o sobrinho de um deles, um garoto de seis anos de idade. Lugar errado, hora errada, foi morto também.
Puyi ia perguntar o porquê, mas achou melhor ficar em silêncio.
- Imagino que deva estar se perguntando o porquê - indagou Amakasu com um sorriso feroz. - Eu vou lhe dizer: porque eram inimigos do imperador. Do MEU imperador.
- Eu... entendi - replicou Puyi, rígido em seu assento.
- É bom que entenda. O imperador também entendeu, tanto que me deu o indulto. E agora, quem não se declarar um bom súdito do ÚNICO imperador digno desse nome, deve se preparar para ter o mesmo fim. O Império do Japão pode contar com a sua lealdade... imperador Puyi?
- Sim... sim - murmurou Puyi, aterrado.
Amakasu cruzou os braços, corpo relaxado, um sorriso lhe aflorando aos lábios finos.
- Ótimo. Você será um bom imperador para Manchukuo - declarou por fim.
- [24-03-2019]