A destruição de sonhos

Muitos alunos não se encaixam em certos padrões e sofrem por isso. Diversos deles tem grandes sonhos de vida, mas os mantém escondidos para que as suas ambições não sejam feridas. Joab certamente era um desses alunos: um aluno gordo, cheio de espinhas, não muito inteligente e viciado em jogos de tiro. O seu sonho era ser astronauta e somente o seu único amigo sabia.

Apesar de conseguir continuar vivendo com certa sanidade mental ao ignorar a maioria dos xingamentos, ele sentia uma necessidade de contar para mais pessoas esse seu objetivo. Sabia que não poderia falar nada para a sua família já que ele receberia uma tremenda bronca por ficar imaginando coisas impossíveis ao invés de estudar para entrar no curso de direito. Os seus colegas de sala teriam somente mais um tipo diferente de zoação para fazer com ele. Dentre os seus professores, só havia um em quem confiava o suficiente. As aulas dele não eram tão boas, mas ele mostrava uma certa calma e timidez que o faziam se identificar. Além disso, esse professor incentivava muito os estudos, então deveria valorizar os sonhos de vida também.

Entretanto, o momento de vida desse professor não era dos melhores. Ele estava se separando de sua esposa depois de descobrir que ela já estava o traindo há anos. Quando Joab foi fazer o seu desabafo sobre os seus sonhos, ele não conseguia nem pensar direito já que havia assinado os papeis do divórcio naquela manhã. Ele olhou o garoto de cima a baixo quando a palavra astronauta foi mencionada e simplesmente falou para ele desistir. Quando o garoto o questionou sobre o porquê, uma vez que não esperava aquele tipo de fala, o professor somente falou que o tipo físico e a inteligência do garoto não eram compatíveis com a profissão. Assim que terminou de falar, pegou a sua mochila para ir descansar na sala dos professores. O amigo de Joab o interceptou na saída e falou que ele era um maldito por dizer aquelas coisas a um aluno, mas essas palavras entraram e saíram rapidamente de sua mente enquanto continuava a caminhar.

No fim, Joab não virou astronauta. Ele acabou se tornando um porteiro infeliz que não incentivou os sonhos dos seus filhos e nem de ninguém próximo a ele. Na realidade, sempre que podia os destruía. O professor havia começado ou continuado um ciclo em que cada pessoa com um sonho desfeito teria a necessidade de acabar com o sonho de outro alguém. Nesse ciclo todos se machucam com a amargura que ronda o ar, mesmo aqueles que são fortes o suficiente para continuar a sonhar.

Depois daquele dia, o professor nem sequer havia pensado no que tinha feito e tampouco se lembrava de ter feito algo desastroso. A tristeza da sua vida infeliz ainda pulsava em sua cabeça mesmo depois de diversos copos de cerveja. Assim que fechou os olhos para dormir gloriosas quatro horas até ter que dar aula no dia seguinte, começou a ouvir. Eram sussurros que ecoavam em sua cabeça e pareciam ser a conversa de umas duas ou três pessoas, mas não conseguia entender nenhuma palavra do que era dito. Sempre que abria os olhos, os sussurros dissipavam da sua mente e não havia nada a sua volta para justificá-los, porém era só fechar os olhos que logo voltavam com força máxima. A cada hora que se passava os sussurros aumentavam de volume e de confusão nas falas. Nada os fazia parar de falar além de abrir os olhos. Era impossível ignorar e dormir. Era perturbador e começou a despertar um medo que nunca havia sentido antes. Ele fazia o máximo de força para fechar os olhos e até a sua mandíbula se esforçava para mantê-los fechados, mas não conseguia nem controlar a sua respiração e muito menos as suas pálpebras. Ele logo as abriu e assim passou a sua primeira noite acordado.

No dia seguinte já apresentava os efeitos da privação de sono. Além de estar sonolento, ficava bravo bem mais facilmente e sua tristeza estava bem mais aparente. Mal conseguiu dar as aulas que havia planejado e a maioria ficou com o conteúdo incompleto devido a sua falta de atenção. Já na sua penúltima aula do dia percebeu algo novo nos sussurros. Eles o perturbavam até mesmo quando piscava os olhos involuntariamente. Naquele um segundo em que piscava conseguia ouvir os sussurros o perseguindo e o torturando.

Chegando a noite, decidiu beber até desmaiar. Afinal, os sussurros não poderiam persegui-lo em um desmaio. Entretanto, ele ficou bêbado e pobre antes que conseguisse desmaiar. Os sussurros continuaram a estar lá a cada vez que fechava os olhos, o impedindo de ter paz. Depois de passar semanas dormindo pouco por decisão própria, agora não dormia involuntariamente e assim começava o seu terceiro dia acordado.

Todos os efeitos do dia anterior se intensificaram e estava claro para todos que havia algo de errado com ele. Havia certas horas em que parecia que a sua mente se desligava enquanto os seus olhos estavam abertos. Quando perguntavam se ele estava bem, a sua resposta era somente sim. As suas olheiras já estavam enormes e tremendamente escuras, se destacando por trás de seus óculos. Não falou uma palavra dentro da sala de aula, nem mesmo para fazer a chamada. Durante o intervalo da sua turma da tarde, chegou a desmaiar e foi socorrido por outros professores. Não conseguiu ficar muito tempo desacordado porque os sussurros vieram em sua maior potência e pareciam o impulsionar para cima, o forçando a acordar. Assim que levantou, disse que estava bem e que foi só pressão baixa por causa da fome, mas que ia na farmácia naquele mesmo minuto comprar alguma coisa para comer. Apesar da confusão de informações, ninguém parecia disposto a impedi-lo dada a determinação e vigor com que falou. Chegando lá comprou a maior quantidade que podia de remédio para insônia e foi tomando as pílulas como se fossem balas enquanto voltava para a escola. Embora as suas atitudes e falas não fizessem mais sentido, o seu organismo ainda agia como um organismo. Mal conseguiu ficar cinco minutos dentro da escola e desmaiou enquanto tinha convulsões.

Ficou desacordado somente o tempo suficiente para fazerem uma lavagem estomacal e logo acordou em uma cama de hospital sendo impulsionado pelos sussurros. Agora eles o perseguiam mesmo estando acordado e de olhos abertos, embora em um volume bem mais baixo do que quando de olhos fechados. Aquelas vozes pareciam brincar com ele enquanto se alimentavam de seu crescente sofrimento. Ele chegou em um ponto em que não conseguia mais esconder e começou a implorar para qualquer um que passasse para que o ajudasse a tirar aquelas vozes de sua cabeça.

Por ter uma aparência amedrontadora e falar coisas desconexas, conseguiu ser transferido para a ala psiquiátrica bem rápido. De lá foi rapidamente para um sanatório onde tomava poderosos antipsicóticos que somente conseguiam reduzir o volume dos sussurros, mas não os tiravam de sua cabeça. Eles insistiam em continuar lá enquanto destruíam todas as noites cada um dos sonhos que ele poderia ter. O quadro psiquiátrico dele ficou famoso porque ele tinha que tomar grandes doses de sonífero todos os dias para que conseguisse dormir, embora quase entrasse em um coma induzido. Depois de dez anos dos sussurros se manifestarem, ele morreu de um ataque cardíaco possivelmente potencializado pela constante privação de sono.