O último som

A apresentação havia ido tão mal quanto se poderia. Ela havia visto nos olhos de cada um dos mestres e doutores com olhos cinzentos inundados de julgamento. Suas mãos haviam tremido (ainda tremiam), ela havia gaguejado, ela indubitavelmente havia falhado. Meses dormindo mal, comendo mal, conversando mal, vivendo mal... tudo simplesmente em vão, importantes aspectos de sua vida negligenciados, importantes pessoas negligenciadas. Ainda não havia um veredicto, uma resposta a seus esforços, mas intimamente ela sabia muito bem. Não havia como aquilo terminar bem. Sua tese parecia genial, todos o diziam. Sua preparação vinha sendo perfeita, todos o diziam. Mas agora ninguém saberia dizer o que saiu errado, nem mesmo ela.

Restava apenas o caminho para a casa, passos solitários em ruas solitárias, com suas roupas esvoaçando ao sabor do vento parecendo tão ridículas naquele momento, tão desconfortáveis. Sem que ninguém pudesse ver ela chorava enquanto os cabelos tão castanhos molhavam-se em suas lágrimas perfeitas, tão diferentes de sua apresentação. “Por que algum idiota se sujeitaria a tal processo?” ela agora pensava. Por que alguém se colocaria numa situação onde todos esperam apenas falha e humilhação? Onde homens e mulheres austeros sentam-se em suas cadeiras de estofado vagabundo como se fossem reis determinando a sentença de plebeus criminosos? Onde olhos maldosos tem permissão para serem maus?

Sua vontade era de encher a cara. Expressar toda a frustração, agredir o mundo. Mas não, ela não faria isso, pois havia Henry. O atencioso, carinhoso e compreensivo Henry. Nunca haviam se beijado, nunca haviam ido para a cama, nunca haviam feito nada mais do que um amigo faria com outro. Mas ela estava completamente apaixonada, e sabia que ele se sentia da mesma forma, tinha certeza. Seus olhos profundos, sua fala calma e seu abraço quente a fariam esquecer o resto. Ela se declararia para ele, diria sem medo algum o amor que sentia por aquele homem único. Ela aqueceria seu coração solitário e juntos caminhariam para onde o vento apontasse e com certeza chegariam a um lugar onde poderiam ser felizes juntos. Sem teses, sem olhos cinzentos, sem humilhação, sem frustração. Apenas luz, luz e luz.

Amanda alcançou o celular da sua bolsa e discou o número. O bipe soou várias vezes. Vezes demais.

Henry sentou- se à mesa da cozinha. Podia ver seu rosto refletido no vidro, e daquele ângulo não parecia tão ruim quanto seu reflexo no espelho. Olhou ao redor, viu sua cozinha belamente organizada, sua sala de estar aconchegante, aparelhos domésticos de última geração. Dinheiro nunca fora problema, nascera rico, crescera rico e continuava rico. Mas não envelheceria rico. As notas verdes não poderiam abraçá-lo nas noites solitárias, não poderiam consolá-lo enquanto via as coisas que amava distanciando-se, não poderiam dar um sentido à sua existência. Não poderiam lhe dar uma família, não poderiam lhe dar Amanda. Ele a amava e simplesmente assistia enquanto ela caminhava para algum lugar distante, um lugar do qual não poderia fazer parte. Ele era apenas um figurante, e sabia que continuaria assim para sempre. Ela não o amava de volta, e isso era muito claro. Ela sorria, o abraçava, e quando ela o beijava na bochecha ele ficava atento como uma criança para poder lembrar daquela sensação quando se deitava na sua cama cheia de sombras disformes. Mas nunca conseguia, ela desvanecia como fumaça ao vento e o que sobrava era o vazio e a frustração da sua ausência. Sem ela, não havia nada mais que quisesse fazer, havia se cansado do trabalho, dos livros, dos filmes, das outras mulheres, das bebidas, dos amigos. Absolutamente nada que quisesse fazer. Seu olhar girava vazio, procurando por algo que nunca encontraria.

Foi então nessa manhã que tomou a decisão.

Se não teria Amanda, não teria mais nada.

Foi até sua escrivaninha, pegou a pistola no fundo de uma das gavetas e sentou-se na mesa da cozinha. Era um lugar tão bom quanto qualquer outro.

Ergueu a pesada arma e a posicionou logo abaixo da boca. Ouviu seu celular tocar ao longe, várias vezes, e esta foi a última coisa que ouviu antes do estouro.