"L" de Liberdade
[Continuação de "A Companhia"]
Depois de voltar para casa e trocar o uniforme da companhia de gás por um terno, dirigi-me ao meu escritório, no centro de Manhattan. Em lá chegando, já encontrei a diligente Srta. H. datilografando um relatório na castigada Remington que eu comprara de segunda mão.
- Olá, Elena! - Saudei-a, pendurando chapéu e sobretudo no cabideiro da antessala.
Ela ergueu as sobrancelhas bem delineadas, parou de datilografar, e me deu um sorriso.
- Não vai mais me chamar de Srta. H.?
Sentei-me no sofá reservado aos visitantes, braços abertos apoiados no espaldar.
- Depois que fiquei sabendo que é sobrinha de dona Gaetana Cannizzaro e que se chama Elena, e não Helen, talvez deva começar a usar o nome correto - comentei em tom casual. - Quando ia me contar?
- Você parecia tão disposto em me ajudar, que imaginei que isso não fosse importante... ou que já soubesse - replicou calmamente, um brilho maroto nos olhos verdes.
Fiquei em dúvida se ela estaria questionando a minha capacidade dedutiva, mas resolvi tomar a observação como uma constatação óbvia do meu fascínio por ela.
- Continuo disposto a ajudá-la, mas precisa me dizer a verdade daqui por diante. A sua tia incumbiu-me de uma tarefa...
Ela ergueu-se da cadeira e com dois passos estava sentada ao meu lado, um grande sorriso iluminando o rosto. Foi tudo tão rápido que nem tive tempo de recolher o braço esquerdo, agora quase roçando os ombros dela.
- Você vai trabalhar para a Família? Pensei que não quisesse aceitar dinheiro da Cosa Nostra... - indagou, com uma ponta sutil de ironia.
- Bem... não exatamente dinheiro, mas sua tia me ofereceu algo que pode me ajudar muito no meu trabalho de investigação - argui, me sentindo um tanto ou quanto constrangido pela presença tão próxima de Elena Cannizzaro. E pousei as mãos nos joelhos, para quebrar a intimidade que me pareceu forçada. Ademais, ela me devia algumas respostas. Todavia, foi ela quem continuou a me interrogar.
- E que tipo de trabalho lhe ofereceram? Certamente não foi o de eliminar alguém, imagino.
Entrelaçou os dedos das mãos no colo, expressão atenta: ela estava aguardando uma resposta. Diabo de mulher!
- Não, eu não sou assassino de aluguel, Srta. H., já deve saber disso - repliquei. - Sou um investigador particular. Eu encontro coisas, pessoas... e, no presente caso, lugares. Dona Gaetana me contratou para descobrir a base secreta do Sindicato.
Ela relaxou a postura. Pareceu ficar satisfeita com a resposta, mas prosseguiu com o interrogatório.
- Imagino que isso deve valer uma boa recompensa... talvez até uma safira estrela - comentou em tom casual.
O domínio que a Srta. H. tinha sobre mim não era natural, comecei a desconfiar. Eu sabia que não podia confiar tanto assim nela, e todavia...
- Uma safira estrela negra. Perfeita. Nunca vi nada parecido - admiti, sentindo-me aliviado pela confissão. A Srta. H. brindou-me com outro sorriso radiante.
- Eu vou te ajudar a resolver este caso, chefe - disse-me num tom confiante. - Meu ex-noivo falou-me certa vez sobre um lugar em Astoria... próximo ao cemitério... talvez devesse ir lá e procurar por pistas.
Decididamente, Elena Cannizzaro sabia muito mais do que aparentava.
- O que devo procurar lá, Elena?
- Algo que somente aos filhos da Deusa é dado a conhecer - retrucou ela, seus grandes olhos verdes fixos nos meus, de forma hipnótica. - O Sigilum Sanctum.
- Eu não sou devoto da Deusa - murmurei.
Ela pegou a minha mão esquerda, puxou ligeiramente a manga para cima, e deu um beijo cálido na parte interna do pulso, de olhos fechados. Senti uma dor ligeira, como se uma vespa tivesse me picado. Quando olhei para o pulso, nele estava gravado a letra "L" num vermelho brilhante, parecendo cauterizado por um ferro em brasa.
- O efeito dura apenas 24 h - disse-me ela, como se estivesse lendo meus pensamentos.
[Continua]
- [29-05-2019]