O fiel amargor da chuva desesperante

Estava sentado na estação de metrô, com suas flores caídas… elas caíam conforme sua face se desmanchava.

Não só sua face desmanchava, todo seu corpo, seu âmago.

A sensação que subia à sua boca era aquela mesma: o desmanchar de seu ser, desfazendo-se em desespero e desalegria.

Suas rosas estavam querendo brilhar com as gotículas de água. Aquela cena sem uma chuva seria impossível. E ela, fiel, estava lá. Amarga.

O seu redor passava a ter um tom avermelhado. Percebera que sequer aquelas rosas, aquelas rosas vermelhas… não eram tão vermelhas assim.

Isso era o máximo da infelicidade, pensou. Afirmava com certeza.

Ele não estava mais sentado, com suas mãos perdidas entre as pernas ensopadas.

Estava de pé, sob a amarga e radiante chuva. A fiel traidora. Molhava-me.

Um amigo, uma vez, um culto e gentil amigo, disse: a chuva é boa, pois ela levará consigo seus pecados.

Por favor, chuva, leve a mim e deixe os pecados… pelo menos, eles têm algo a lembrar.

Alguém para lembrar.

Sentia o gosto de sal em sua boca.

O sal de seu suor.

Correra, correra o máximo que podia naquele dia. O relógio, maior inimigo daqueles que surpreendem, contou-lhe que cada minuto que ele corria, mais próximo do desfazer ele estava.

Por que não acreditou naqueles tic-tacs tão precisos e sábios?

Pronto.

Estava perdido, agora, sozinho.

Em toda sua vida, imaginava aquela cena com tanta alegria, com tanto vigor… mas, ela correu para o outro lado!

Ela fugiu. Aquela cena fugiu-lhe por entre os dedos.

Era meio-dia. E chovia… chovia amaldiçoadamente!

Sim, era um momento meio turbulento, mas não seria impossível, do alto daquela mureta, vê-la.

A cena, digo.

Mesmo com toda aquela desesperante penumbra, ele podia vê-la, ensolarada, ofuscante!

Tudo podia ser possível quando se ama. E ele, imaginativo, conseguia vislumbrar aquilo tudo com tamanha facilidade que estranhou ao perceber que não era real.

O seu sonho da noite mal-dormida.

Toda vez que levantava à noite, atacando a geladeira, e dando descargas longas e barulhentas, imaginava-se com dores na bochecha.

Ele, alegre incomensuravelmente! De braços abertos, quase desesperados para sentir aquele calor irmão. A maciez, a única e pura textura.

A cena era perfeita!

Via até mesmo as pessoas sorrindo, quase invejosas… aplausos, aplausos, por favor!

Este é o melhor momento de minha vida!

Estou completo e se tudo quiser acabar, acabe agora!

Ele se lembrava de como doía rir demais!

E, depois daquele devaneio tão sedutor, as lágrimas alegres lhe lembraram que ainda era madrugada!

Tempo, maldito seja!

Tão longo e desesperante quando não é preciso e tão veloz e transparente quando clamamos por um segundo a mais!

Estava lá, agora, de pé. Enevoado.

Ao seu redor, aqueles milhares de guarda-chuvas. Eles, protegidos contra suas próprias lágrimas. Eles… intangíveis e intactos.

Não viam o abandonado e sua fiel amiga chuva? Não sentiam o abandono? Não me sentiam?… não.

E o trem passava rente ao seu corpo encharcado pelo amargor.

Olhava-o, veloz, passageiro…

Não voltaria para aquela estação buscá-lo, aquele que fora esquecido… ele não voltaria, assim como ela.

A cena, digo…

A cena, que ele tanto esperou… sob a fiel amiga.

Ele estava sozinho, abandonado, junto à suas rosas pintadas vermelhas e aquela que lhe presenteou com seu frio. A chuva… e.

Não, ela não veio…

Ela… não.

Veio.