A Capelinha

A Capelinha

Quem hoje passa pela antiga e bucólica estradinha de terra, ainda pode ver a pequenina igreja no alto do morro. Há mais de setenta anos encontra-se nesse estado: solitária, abandonada e quase caindo aos pedaços; mas outrora concorrida e com dias de glória.

Quando procurei saber o porquê do abandono tive como resposta se tratar de “a capela do capeta”.

Nos habitantes mais velhos do lugarejo o difícil era encontrar alguém com a coragem de contar ou que ainda se lembrasse do ocorrido.

O senhor Jorge Casillas, um imigrante espanhol de oitenta e seis anos, era um dos poucos que, quando perguntado, contava sua versão histórica. Talvez pela idade avançada, explicava ora de um jeito, ora de outro, mas basicamente não mudava o ocorrido. Isso segundo os demais habitantes acostumados a sempre ouvir sua história - ou melhor, a história da igrejinha.

Como todo viajante curioso, parei para escutá-la, já que teria de passar a noite no lugarejo. E sentado no precário bar da cidade também ouvi seu Casillas, como gostava de ser chamado, contar que, toda quinta-feira, o padre Romão costumava estar na igreja, no seu tradicional confessionário, recebendo os fiéis para que se aliviassem dos pecados. Praticamente todos os moradores do local e das cercanias compareciam para saldar o compromisso cristão. Daí então, na manhã de domingo, durante a missa, recebiam em comunhão o corpo de Cristo, como reza a tradição.

Essa era uma das rotinas que já fazia parte da vida do lugar, mas a partir de uma determinada época, época essa que aí ele, seu Casillas, já não soube mais precisar, a igrejinha passou a estar também iluminada na última sexta-feira do mês. E quase sempre até quase meia-noite, coisa incomum naquele tempo pois, devido ao horário tardio, ficava perigoso alguém andar pelo local. Muitos até passaram a se preocupar com o padre Romão, pois o mesmo morava numa casa de madeira ao lado da igreja.

Sempre que ele vinha à cidade, ou mesmo após a missa do domingo quando lhe era perguntado o porquê das luzes acesas na sexta-feira, o padre dizia estar ouvindo ranger de dentes, barulhos nos bancos e estalos no interior da igreja, mas logo que a luzes eram acesas tudo cessava. Enfim, um grande mistério que tomou proporção maior quando então os moradores que viviam mais próximos da pequena igreja passaram também a escutar os tais barulhos, sendo que agora até com as luzes acesas e só parando por volta da meia-noite, o que levou Romão a mudar da casa paroquial para outra no centro da cidade.

Nesse momento seu Casillas sempre dava uma pausa, o que levava algum dos ouvintes a perguntar o que fora feito para descobrir e solucionar o problema. Ele sorria satisfeito, pois sabia que estava sabendo valorizar o mistério que tanto atormentou a cidade. Continuou lentamente com sua narração, fazendo com que a curiosidade e a agonia de quem o escutava aumentassem.

Os moradores pediram para que as autoridades investigassem o local para saber o que realmente estava acontecendo por lá. A cidade contava com um destacamento policial de três militares. Um sargento, autoridade maior, e dois soldados, que se revezavam nos plantões noturnos.

Naquela sexta-feira 13 de Agosto de noite de luar prateado, a barulheira era ensurdecedora. Parecia que o diabo estava presente lá, fora e dentro da capela. O caminho que levava até a igreja estava nítido, mas quem se arriscava a ir lá? Foi quando o soldado Valentim, depois de muito relutar, acompanhado de sua espingarda e de um lampião de gás, resolveu investigar. No meio do caminho o barulho aumentou e ficou de tal maneira ensurdecedor que Valentim quis voltar, mas alguns moradores que o seguiam o impediram. Continuaram a caminhada em direção à capela que agora já estava às escuras e, para espanto de todos, quando lá chegaram não encontraram mais nada. A casa em que o padre Romão vivia tinha sumido, e no local estava um monte de pó. Da igreja, só restavam as paredes em pé. Tudo o que era de madeira havia sumido, telhado, porta, janelas, bancos, mesa eucarística e o altar. Nem mesmo os Santos, também de madeira, escaparam.

Os cupins haviam devorado tudo e uma mensagem foi escrita no chão fora da igreja:

“Este local agora me pertence. Eu venci.”

Desde então ninguém mais se atreveu a ir àquele local e uma nova igreja foi construída aqui na praça. Fitando a todos nos olhos, Casillas deu por encerrada a história dizendo: “falam que ainda hoje está lá para quem quiser ver, a mensagem.” Com um sorriso enigmático, seu Casillas se despediu e foi para casa.

Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 07/09/2019
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