O PESADELO SÓ DEU UMA PAUSA

Ficávamos todos refugiados em um prédio, concentrados num tipo de depósito. Estava frio e úmido. Pelas grades passavam facilmente ventos que pareciam nos cortar ao meio. Havia muita gente, algo como umas 40 pessoas. Homens, mulheres, crianças, idosos, adolescentes e todos assustados, apenas variando para mais ou para menos. O frio era o que menos nos preocupava ali.

Algo atacava as pessoas, tanto em grupo como separadas. Nossa tecnologia, dita moderna, de nada parecia adiantar. Os que sobravam nos relatavam o que acontecia. Eram muitos. Parecia até que "sobravam" de propósito, como um recado aos que não eram eliminados. De início acontecia tudo muito rápido. Não sei se ficar escondido era uma solução, inclusive achava que apenas não havia chegado nosso momento.

Um homem careca, alto, magro, de expressão cansada e olhos fundos, nos chamava de longe num carro amarelado e barulhento para sairmos de lá. Batia com palmadas fortes nas grades, que víamos pela janela. Ficávamos em dúvida, afinal, quem ele era, e pior, qual o motivo dele querer que saíssemos de lá? Uns cinco ou seis do meu grupo optavam por sair. Haviam mais alguns com o careca. O mesmo desespero nos olhos de todos. Esses cinco ou seis dos nossos que saiam gritavam que havia mais gente ainda la fora. Não queria dizer que o fato de ter mais gente era garantia de nada, muito menos de sobrevivência. Dava um sopro de ânimo. Mais pessoas do nosso grupo saiam também, me parecendo que queriam uma chance de se mexerem do que ficar imóvel, com alguma mínima esperança de algo.

O brilho na minha face é do sol. Vejo melhor quando levanto a cabeça. Imaginando, desconfiado, que vivendo no sol estaria a salvo, caso fosse possível. Me pergunto do quê. Ouço gritos apavorados. A porta, que estava entreaberta, protegida por quatro do grupo, é repentinamente empurrada pela pessoa de fora. Alguns são do grupo onde eu estava, e a outra parte são outros, que não conheço. Na realidade, não conhece ninguém. Não é necessário muito para saber que estão fugindo, desesperados. O cômodo, apesar de grande, não comporta bem a agitação de tantos juntos. Vejo o careca na multidão. Tinha mais gente agora que antes, e como não poderia deixar de ser, estou tão agitado e desorientado como todos. Enquanto observo o careca, uma senhora me dá uma cotovelada nas costas, enquanto uma criança desajeitadamente pega em minha mão, talvez achando que sou parente dela. Sinto vários outros esbarrões, do qual não saberia descrever. Devo ter esbarrado em alguém também.

Estou bem no meio da multidão, mais ou menos desorientado. Algo espanta a todos, que disparam para fora. Corro com medo do que quer que seja que os tenha espantado, sem tempo de raciocinar, assim como também o grupo, que agora que subdivide em três partes. Fico com a porção onde esta o careca, que de início corre em direção a uma grande vã, mudando repentinamente de rumo. Não sei o motivo. A parte que ficava com mais pessoas se amontoava num cômodo aberto, que lembrava uma oficina. Muitos do monte de pessoas que estou agora se juntam com esse agora. Uma mulher, de vestido longo e cabelos grisalhos, de jeito pacato, conversava com um homem, sobre ir para algum lugar, e que lá estariam seguros. Ele a contrariava, afirmando que ninguém mais estaria seguro nas atuais condições. Seus olhos, da mulher pacata em questão, que já não esbanjavam alegria, exprimiam o mais puro desespero. Tem dias que é melhor não ter acordado. Mais pessoas somem de repente, o pesadelo só deu uma pausa.