O Carcereiro

Estou preso. É um sentimento horrível não se sentir, não poder se libertar das amarras postas em meus pulsos e pés. Nem aos gritos, nem aos socos. Só lutando em vão tentando se encontrar onde já deveria estar. Esse Estar que nunca parece o suficiente, esse Se que tranca a minha respiração. Eu o ouço se aproximando. A respiração falha e eu encaro o silêncio. A noite parou. Tudo parou. Ele desce as escadas. Encaro o chão tentando lembrar como eu vim parar aqui, em que momento eu me perdi, qual parte da minha vida foi um erro ou se tudo foi em vão, cada luta contra o mal, contra o mundo tentando me engolir com suas mentiras e ódio. O meu carcereiro comanda meus pensamentos? Minha mente vaga tentando se conectar a algum fio de realidade. Se conectar a mim. Nada nunca muda aqui dentro. O sol é consumido ao poucos pela penumbra. Ele consome cada parte de esperança que ainda me resta aos poucos... Aos poucos...

O carcereiro insiste em me puxar e jogar no chão sem piedade. Seus olhos cheio de palavras rasgadas. Sua visão se foi. Ou ele apenas enxerga o verdadeiro eu e nada mais. Enxerga os erros e a perversidade por trás de tudo, porque sabe que somos apenas isso: o mal por trás da pele de bons samaritanos, esperando para sermos corrompidos.

Cato o que resta de mim no chão, tentando me juntar sem nunca encará-lo nos olhos-palavras. Eu tento me encaixar em cada lugar, em cada órgão, membro... Merda, eu sou incapaz. Se depender de mim eu ficarei sangrando pela eternidade.

Ele se ajoelha em minha frente. Eu levanto a cabeça, com o rosto pingando suor. Estou o encarando, finalmente. Suas palavras vão criando vida e tomam conta de seu rosto pálido. É uma confusão de fontes. Ele apoia a testa na minha e suas palavras passam para mim. Uma enxurrada de visões tomam conta da minha mente. As brigas em bares. Os empregos perdidos. Todos que afastei por se importarem. As discussões com ela... Onde será que ela foi parar? Resposta: para bem longe de mim. Tudo entra em seu devido lugar como um clique, eu me liberto das amarras. Fico ali com o corpo formado por palavras. INSUFICIENTE. DESPREZADO. IGNORADO. INCAPAZ. Encaro outro corpo, esse então vazio. Me levanto e subo as escadas. O sol começa a surgir novamente.

Ale Marques
Enviado por Ale Marques em 22/09/2019
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