O Silêncio Homicida 2

Fez a barba, tomou um demorado banho, besuntou os cabelos com gel, vestiu-se. Apanhou a adaga, ocultou-a no bolso interno da sobrecasaca. Já passava das onze da noite. Passou pela sala. Sua mulher, com os pés imersos numa bacia contendo água quente, compenetrada em algum seriado imbecil nem notou sua saída. Deu partida. Marginal Tietê, sentido Guarulhos. Trânsito bom àquela hora. No rádio, Etta James executava "At Last", só para ele. Via Dutra. Altura de São José dos Campos. Estrada de chão agora, esburacada, escura. Parou em frente ao portão. Abriu o cadeado, entrou. A cópia ficara perfeita. Experimentou a porta da sala, estava aberta. Descuido letal. Meia-noite e meia. A tv ligada nesses canais que vendem de tudo. Com sutileza de espectro , parou atrás do moribundo. Dormia sentado, apenas de cueca, lata de cerveja derramada no sofá, guimba de cigarro apagada entre os dedos. Melhor assim, não enfrentaria reação, não teria de gastar energias. Buscou a adaga no bolso, posicionou-se favoravelmente à retaguarda do semi-defunto. Não gostava das armas de fogo, não eram nada românticas. Pelos cabelos, puxou a cabeça de sua vítima para cima, tendo assim uma visão panorâmica do pescoço gordo, da papada saliente. Com precisão cirúrgica, abriu um risco horizontal, profundo, mortal. A cabeça pendeu para o lado esquerdo, sem sustentação. O sangue espirrou longe, em jatos finos e abundantes. Sim, é assim mesmo, eles não exageram nos filmes. Cena digna de um Tarantino. Estava cada vez melhor, ultimamente não errava uma jugular. Estrebuchou um pouco, emitiu ganidos ininteligíveis, mas morreu logo. Sentou-se ao lado do infeliz, pegou o controle-remoto da sua mão já meio gelada. Passeou pelos canais, achou "Um Estranho No Ninho", já no meio. Gostava daquele filme, mais ainda de Jack Nicholson, então resolveu assistir até o fim. Depois dos créditos, saiu tranquilamente, pensando como é satisfatório ser bom naquilo que se faz. O único inconveniente dessa sua ocupação é o preço que se paga por uma consciencia limpa. Detestava rezar. Mas o padre já lhe conhecia, iria aliviar a penitência. Lhe agradava aquela velada cumplicidade. A religião e suas conveniências. Chegou em casa por volta das seis da manhã. Sua mulher não estava. Devia ter também seus segredos. Tirou a roupa salpicada de sangue morto, colocou uma limpa. Tomou café frio. Tinha ainda mais dois serviços para os próximos dias. Saiu. Precisava se confessar.