Despedida

Na primeira ocorrência, Igor tinha apenas 8 anos. Jogava futebol no quintal quando sua tia foi se despedir. Deu-lhe um beijo na bochecha do qual extraiu uma sensação que nunca antes experimentara e nunca mais quereria experimentar. Por alguma razão, sabia que esta era a última vez que veria Márcia, sua tia de 54 anos. Neste dia, ele ainda não sabia do câncer.

E assim foi com sua avó, quando já se encontrava na cama do hospital. Assim foi com sua prima, quando não havia como prever o fatídico assalto na avenida Brasil. E assim foi com sua tia distante, em uma das poucas vezes que a vira com vida. Todas as vezes que esta sensação o acometia, Igor já sabia que aquela seria a última vez em que veria seu ente querido com vida.

E assim somos levados à manhã do dia 24 de dezembro, que gostamos de chamar de véspera de Natal. Neste ano, Igor levantou cedo, pois precisava comprar os presentes que deixara para última hora. Para sua mãe, daria um lindo casaco, para seu pai daria um par de luvas. Os dois voariam para o Uruguai no próximo ano, e esta talvez fosse sua última chance de dá-los este presente antes da viagem.

Ao encontrá-los, o prazer de uma visita há muito não recebida foi interrompido ferozmente pela fria e amarga sensação desprezível da despedida. Igor congelou. Congelou pois não estava preparado. Não para perdê-los. Superara todas as perdas que tivera até então, sempre fora uma pessoa forte, mas estas… estas pessoas a quem era tão apegado não poderia perder. Não aceitava perder. Igor fez de tudo para que cancelassem a viagem naquela noite. De tudo. Implorou, chegou até mesmo a chorar. Não podia explicar a verdadeira razão pois temia ser desacreditado, então inventou um compromisso qualquer que os mantivesse no Rio de Janeiro.

E assim foi feito. Viagem cancelada. Igor finalmente pôde suspirar de alívio. Mas algo ainda não estava terminado. A sensação permanecia. Será que não seria no avião? Será que partiriam de outra maneira? Decidiu então que passaria um tempo na velha casa de seus pais em São João de Meriti. Assim não teria como ser a última vez que se veriam. Partiu então para sua casa em Anchieta para pegar algumas roupas e seu notebook para que pudesse trabalhar mesmo não estando em casa.

Naquela madrugada, enquanto ia buscar seus pertences, Igor bateu de frente com um caminhão no quilômetro 20 da Avenida Brasil. Esta não foi a última vez que vira seus pais, mas foi a última vez que seus pais lhe viram.