Caiu na rede. É peixe.

Para: Valério.

De: Edson.

Assunto: Traição.

Tratante! Você me apunhalou pelas costas. O Ygor contou-me que você abordou a Paula, com insistência suspeita, durante os dias em que estive em Manaus. Ainda não tive oportunidade de conversar com a Paula. A mãe dela, a convalescer de uma grave doença, está na Santa Casa de Misericórdia. Paula a está velando. Estive na casa dela, ontem, à noite. Pensei em falar-lhe a respeito do que contou-me o Ygor, mas contive-me ao ver-lhe os olhos fundos e o rosto, que transparecia exaustão. Mordi a língua. Não quis atormentar a Paula com as suspeitas a respeito da fidelidade dela. Depois, passei na sua casa, Valério. Eu queria pôr tudo em pratos limpos. Quero ouvir de você a história. Quero ouvi-la da sua boca, Valério. Seu pai disse-me que você e a Felícia foram ao cinema. Divertiram-se? A Felícia sabe que você, na minha ausência, abordou a Paula com propostas indecentes? É assim que você age com os amigos, Valério? Apunhala-nos pelas costas? Você, na minha ausência, foi à casa da Paula, e… Se a Paula, ontem, não estivesse tão cansada, tão preocupada, eu a teria interrogado. Eu a jogaria contra a parede, e a espremeria até ela me contar tudo. Valério… Quem diria! Disse-me o Ygor que logo após a minha partida você foi visitar a Paula; depois, assim que dona Marilda adoeceu, você foi consolar a Paula… Que espécie de homem você é? Por que não cantou a Paula na minha frente? Quero conversar com você. Ao contrário de você, não fujo da raia. Não quero que a nossa conversa se resuma a e-mails. Quero falar com você. Vou me encontrar com você. Você terá de me explicar o que fez, durante a minha ausência, com a Paula. O que você foi fazer na casa dela? Você terá de me dizer o que foi fazer lá. Valério, irei à sua casa amanhã cedo. Até amanhã.

*

Para: Edson.

De: Valério.

Assunto: Boatos.

Edson, você quer saber por que fui à casa da Paula? Fui ajudar a Paula a levar roupas, comida, remédios, revistas e brinquedos para a dona Marilda. Você não me encontrou, domingo, na minha casa, caso tenha ido lá. Você perdeu a viagem. Mas não pense que fugi de você. Não fugi. As suas ameaças não passam de bravatas de um homem que perdeu a lucidez em decorrência do ciúme que o aflige. Você foi deselegante, no e-mail que me enviou. Eu não estava na minha casa, no domingo. Não estou lá, agora. Estou em São Paulo, em um hotel. Participo de um congresso de psicólogos. Quero atualizar os meus conhecimentos. A psicologia é uma arte, uma arte nobre. E eu, que não desejo perder o trem da história, tenho de me manter atualizado.

Vamos à resposta ao seu insultuoso e-mail. Conclui a leitura há dois minutos. Você me ofende, Edson. Você é injusto comigo. Você fez insinuações maldosas sobre o meu caráter. O que mais me surpreende é saber que você dá atenção ao que o Ygor diz. Pelo amor de Deus, Edson! Pense, meu amigo. Use o seu cérebro. O que você tem na cabeça? Você, no e-mail, ofendeu-me. Você está com ciúme. Vou levar isso em consideração. Sei que você gosta da Paula e está um pouco inseguro. Sei que, nos últimos meses, você e ela se desentenderam seriamente. A notícia da discussão de vocês dois, na churrascaria O Gaúcho, espalhou-se por toda a cidade. Que escândalo! Saiba, Edson, que, em nenhum momento, ao contrário do que você pensa, esfaqueei você pelas costas. Eu jamais faria isso. Você é meu amigo, amigo do peito. Você está com ciúme. Chateia-me saber que você dá mais valor ao que o Ygor diz para você do que à nossa amizade. Chateia-me saber que você desconfia de mim. Eu preferiria não saber disso, mas sei. Ainda bem que você não disse para a Paula tudo o que pensou em dizer-lhe. Se dissesse, ela jamais perdoaria você. Você sabe disso. Converse com o Ygor. Exija-lhe explicações. Diga-lhe que desminto tudo o que ele disse para você. Edson, você esqueceu o que o Ygor disse da Carla? O pai dela a expulsou de casa após o Ygor dizer-lhe que a Carla traficava drogas, prostituía-se, e tinha um caso com o chefe dela. O Ygor detesta a humanidade, e não se entende com quem não se curva aos desejos dele. Ele havia pedido a Carla em namoro. Como ela o rejeitou, ele, maligno como todos os psicopatas, arquitetou a destruição dela. Coitado do seu Pedro. Como ele sofreu ao saber que havia sido tão injusto com a Carla. Arrependido, ele pediu-lhe desculpas. A Carla a aceitou, e o perdoou. E o Ygor… O seu Pedro não o moeu de pancadas porque a Carla pediu-lhe que esquecesse a história. O seu Pedro prometeu-lhe que a esqueceria. Mas… Um passarinho contou-me que ele foi ao confessionário… confessar um pecado que ainda não cometeu. Esta história não nos diz respeito. Vamos voltar à nossa história. Edson, você sabe tanto quanto eu que o Ygor é vingativo e rancoroso. Procure saber se ele tem algo contra você ou contra eu. Certamente, tem, e contra nós dois. O Ygor não tem amigos; tem cúmplices. Tenha cuidado, Edson. O Ygor é traiçoeiro. Ele quer nos jogar um contra o outro. Você está caindo, como um patinho, no jogo dele. Refresque a cabeça, Edson. Esteja certo de uma coisa: O Ygor é um mentiroso descarado.

Saudações.

Dê um abraço, um beijo e um pedaço de queijo pra Paula.

*

Para: Edson.

De: Valério.

Assunto: Está na hora de você tirar a máscara!!!

Você se faz de santo e de vítima. Só se for de santo do pau oco e vítima das suas armações, como o Cebolinha o é dos planos infalíveis dele. Quer dizer, então, que você se faz de vítima, ofende-me, insinua que tenho um caso com a Paula e que estou apunhalando você pelas costas, para desviar a minha atenção das suas verdadeiras intenções? Você sabe do que estou falando. O Carlos contou-me.

Regressei de São Paulo. O congresso me foi de grande valor. Aprendi muitas coisas interessantes, surpreendentes, sobre a condição humana.

Aqui, em casa, eu, feliz, muito feliz…

Contou-me o Carlos que você, além de romper o namoro com a Paula, foi, para se vingar de mim, até a Felícia, insinuou-se para ela, e disse-lhe que tenho um caso com a Paula. A Felícia, contou-me o Carlos, induzida por você, com intenção de se vingar de mim, correspondeu ao seu assédio, e traiu-me. Eu disse para você não dar ouvidos ao Ygor. E o que você fez? Você preferiu acreditar nele do que em mim e na Paula. Idiota! O que você conseguiu com isso? Você perdeu a Paula. Eu soube, contou-me o Carlos, que ela não quer mais saber de você. Imbecil! Ela tem todas as razões do mundo para não querer mais saber de você. E você perdeu a minha amizade. Depois que o Carlos retirou-se da minha casa, fui à casa da Felícia. Eu e a Felícia discutimos. E rompemos o namoro. Você acabou com o meu namoro com a Felícia, um namoro de um ano e meio. Eu e ela pensávamos em noivar e nos casar dentro de um ano. Obrigado, amigão! Obrigado! Você acabou com a minha felicidade! Obrigado! Você sabe o que farei daqui a pouco? Irei ao bar do Chicão, e encherei a cara de pinga, cachaça, caipirinha e vodka. Beberei toda bebida que eu encontrar no bar. Afogarei as minhas mágoas. Traíram-me a minha namorada e o meu amigo, o meu melhor amigo, aliás, meu ex-melhor amigo. Que vida! Esqueça que existo, imbecil!

*

Para: Valério.

De: Edson.

Assunto: Inocência.

Eu, um tolo, briguei com a Paula. Sou um imbecil, reconheço. Eu devia ter dado ouvidos aos seus conselhos, Valério. Falei para a Paula da história que o Ygor contou-me. A Paula ficou fula da vida. E com razão. Ela me disse que não quer mais olhar para mim. Ainda não me encontrei com o Ygor. Assim que eu o encontrar, ele terá de me dar explicações. Por que acreditei nele!? Por quê? A Paula, coitada, não parece a Paula. A dona Marilda piorou. Coitada! Falei um punhado de asneiras para a Paula. Se eu pudesse voltar no tempo, eu não diria o que eu disse. Vivi num inferno, nos últimos dias. Espero que a Paula me perdoe. Ela ficou muito chateada. Esse problema é meu. Agora, cá entre nós, Valério, você é um idiota! Um grandessíssimo idiota! Você pensa que é o tal, mas não passa de um idiota com PhD em Harvard! Você pensa que, por ter estudado psicologia e conhecer as mais recentes teorias de laboratório – que só dão certo em ratos – dos seguidores de Freud, Jung e outros analistas de Bagé, entende de pessoas. Você, no último e-mail que me enviou, chamou-me de imbecil. Saiba que o imbecil é você! Também sou imbecil, é verdade, mas você é mais imbecil do que eu porque é mais esclarecido e se considera mais esperto do que eu. E é diplomado. E ostenta, orgulhoso, o seu respeitável título de psicólogo. O Ygor me fez de bobo? Sim. E o Carlos fez você de bobo! Ele disse para você que eu e a Felícia… Não vejo a Felícia há um mês, ou dois meses. Não sei por onde ela anda. O Carlos disse pra você que eu e ela… Que absurdo! A Felícia é para mim a irmã mais velha que não tenho. Você acreditou no que o Carlos disse pra você!? Você é otário! Para o seu conhecimento: Eu e a Felícia não traímos você. Repito: Eu e a Felícia não traímos você. Você quer que eu repita? Repito: Eu e a Felícia não traímos você. Não vejo a Felícia há mais de um mês. Repito: Não vejo a Felícia há mais de um mês. Você quer que eu repita? Não é necessário. Você já entendeu a mensagem. Você fez uma grande burrada! Imbecil! Você discutiu com a Felícia. Vocês romperam o namoro. Não ponha a culpa em mim, imbecil! A culpa é sua, inteiramente sua. Vá ao bar do Chicão. Vá! Está esperando o quê!? Encha a cara, por você e por mim. Você acreditou no que o Carlos disse pra você! Imbecil! O Carlos é mentiroso e traiçoeiro. Ele é pior do que o Ygor! Você se lembra dos boatos que ele espalhou a respeito do Frederico? Não preciso entrar nos detalhes. Você conhece a história melhor do que eu. O Frederico foi demitido, e está desempregado há oito meses. Valério, vá para o inferno! Esqueça que existo. Vá encher a cara, pinguço imbecil! Otário! Livre-se do seu complexo de… Sei lá de quê! Uma coisa é certa, Valério: nesta história, você fez o papel do idiota esclarecido.

*

Para: Edson.

De: Valério.

Assunto: Notícia surpreendente.

Vi, ontem, na Praça Joaquim Nabuco, a Paula e o Ygor. Beijavam-se apaixonadamente.

*

Para: Valério.

De: Edson.

Assunto: Sente-se. Depois, leia este e-mail.

Vi, assim que saí do banco, dois pombinhos apaixonados, agarradinhos, na loja Pés Livres: a Felícia e o Carlos.

*

Para: Carlos.

De: Ygor.

Assunto: Operação Otelo.

Missão Cumprida. Sucesso Absoluto.

*

Para: Ygor.

De: Carlos.

Assunto: Operação Otelo.

Estou preparado para o que der e vier. Qual será a próxima missão?

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 08/05/2020
Código do texto: T6941155
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