Caixas e caixotes

Havia algo dentro da caixa.

Era forte. Muito forte. E não me deixava chegar perto. Como se tivesse receio de que eu mexesse.

Não tinha nada dentro daquele caixote velho e empoeirado até uma semana atrás, e eu tentava entender o que era e como tinha entrado ali. Ninguém me ajudou, e eu fiquei com medo de estragar o que quer que fosse. Sempre dava medo.

As pessoas diziam que os caixotes e caixas eram importantes, mas nunca falavam o que era para fazer quanto notasse ele balançando inquieto. Por que não tinha um manual? Tudo deveria ter um.

Minha caixa era grande. Enorme talvez fosse o mais apropriado de se dizer. Era maior que o de muita gente, mas era assustadora. Eu não gostava dela. As tábuas que a formavam eram de uma madeira muito firme e resistente. Minha mãe dizia que eu precisava lixar, pois uma caixa tão forte assim iria me trazer tristeza. Eu não entendia o que ela queria dizer, até encontrar outras pessoas.

Eu não queria que ninguém mexesse nela. Era algo meu, e alguém poderia danificá-la. O que eu faria se quebrasse? Meu avô tinha uma caixa enorme que nem a minha, e as pessoas sempre roubavam suas tábuas, mas ele sempre dizia que estava tudo bem, pois sempre haveria novos pedaços de madeira que poderiam montar uma caixa diferente. Ele viajou com uma caixinha para além de não sei onde.

Por que tinha algo dentro da minha caixa?

Procurei alguém que pudesse responder minha pergunta, mas ninguém chegava perto, nem mesmo olhava. Seus caixotes tropeçando em medo e balançando para longe de mim, como se eu fosse roubar suas madeiras. Entretanto eu não queria nenhuma, apenas uma resposta. E uma ajuda, talvez. Tinha algo de errado com meu pertence, por que ninguém ajudava?

E parou.

O que antes parecia ter uma fera por lá, silenciou-se no escuro da casa vazia. Era tudo o que eu tinha: Uma caixa cheia e um lugar vazio. Às vezes tinha algumas flores surgindo pelos tetos e batentes, mas nunca ficavam por muito tempo. Uma vez, um ramo de flores cercou minha caixona, mas murchou e foi-se embora triste.

Silêncio era esquisito depois de tanto tempo escutando as ripas se arrastando por ali, perturbadas por algo que era prendido por elas. O chão frio mostrava que a melancolia acompanhava-nos, como se esperasse que tudo mudasse. E ia, provavelmente. Eu sentia.

Uma batida na porta foi o suficiente para fazer a atenção do que quer que fosse dentro daquelas madeiras se atiçar, não se movia, todavia era notável que seus olhos, se é que existiam, observavam a entrada.

O que batia na porta tinha um par de olhos e um nariz. E um sorriso lindo, que surgiu assim que seus olhos encontraram os meus. E eu senti medo.

A coisa dentro da caixa começou a remexer-se furiosamente, jogando-a por todos os cantos da casa, batendo nas paredes, derrubando ripas. As mesmas tábuas fortes e resistentes, e estavam caindo.

Fechei a porta fortemente, segurando-a para que não abrisse, mesmo que ninguém a forçasse. Não podia deixar que isso destruísse minha caixa. O que eu faria depois?!

Ela rodopiava pelo cômodo que seria uma sala, cozinha, saleta, o que quer que fosse aquele lugar meu. Era meu. E tinha algo se debatendo por todos os cantos. Parecia querer sair da caixa, ou até destruí-la. O que aconteceria comigo? Mamãe não tinha dito que tábuas fortes me deixariam tristes? Mas e se elas fossem fracas?

As batidas na porta começaram novamente, pacientemente, fazendo a caixa se revirar toda, batendo em colunas e quinas. Estranhamente, nenhum dos impactos causava algum dano a ela, mas o que vinha de dentro conseguia empurrar algumas ripas. Eu não conseguia enxergar o que tinha dentro, mas era muito poderoso. E causada pânico em mim.

Há uma semana e tudo aquilo me perturbava. Não conseguia dormir, falar perto de certas pessoas, causava dor de cabeça, no peito e na caixa. E uma delas estava na porta do meu lugar vazio. Querendo entrar no meu lugar vazio.

O que eu deveria fazer? A caixa iria me machucar, ou eu machucaria a caixa? Ela já me machucou uma vez, e eu a feri em outra. O que era o certo? O que não faria com que nada desse errado? Eu deveria abrir a porta? Deveria segurar a caixa? Por que era tão complicado resolver...? Aquele sorriso e olhos brilhantes me ajudariam? Ou me prejudicariam? O que eles seguravam em suas mãos?

A caixa se aproximava e, como um ímã, ameaçava-me contra a porta. As batidas ecoavam em minha mente e eu sentia tudo me sufocar. Minhas mãos foram até a maçaneta, tremendo, e a caixa me engoliu junto dos belos olhos e sorriso brilhante.

Era brilhante e forte. Não assustador. Era quentinho e confortável, como a risada dos belos olhos que me encaravam bem de pertinho, apertado na caixa comigo. A caixa tinha parado, mas meu peito saltava forte e meu rosto queimava como um bule fervendo chá.

Ah.

Não era assustador.

Quer dizer, era. E muito. Mas era preciso arriscar e ser engolido para entender que não se tratava de medo.

Era amor.

Liranthium
Enviado por Liranthium em 20/05/2020
Código do texto: T6952613
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