O CASACO DO MAL

Depois de pedalarem mais de oitenta quilômetros suas pernas não suportavam mais. Não tinha mais lugar onde dar cãibras. A água acabara há muito tempo. À frente só o chão empoeirado e deserto. Empurravam as bikes morro acima com o Sol do meio dia queimando na moleira. Tudo por culpa de Lila que sugeriu um atalho maldito e obrigou a todos a darem uma volta ao mundo. Kika avisara para não seguirem por atalhos desconhecidos, mas a ansiedade pesou mais do que o bom senso. Guga foi quem avistou aquela casinha humilde no meio do mato. Parecia estar abandonada. As portas e as janelas estavam lacradas. Provavelmente não era por medo de roubos. Não havia motivos para esse tipo de preocupação, uma vez que não havia nada para ser roubado. A área parecia uma grande zona rural e não havia nenhuma outra construção em toda a extensão da estrada. Decidiram retirar o bloqueio e entrar. A casinha era muito simples. Construída com paredes de pau a pique e cobertura de sapê. Possuía um único cômodo onde se via apenas uma esteira de palha de taboa e um pequeno fogão de lenha. No canto esquerdo, um cabideiro com um chapéu de boiadeiro e um casaco de couro preto. Na parede de frente havia uma pintura de uma figura diabólica. Não dava para discerni-la, mas era horripilante. Tudo era muito assustador e misterioso. E, aquele clima de mistério presente no ar, parecia bradar para irem embora sem mexerem em nada. Kika, porém, não resistiu à tentação de tirar uma selfie com aquelas tralhas. Pôs o chapéu e logo em seguida o casaco. Posicionou-se em frente à grande figura e tirou a foto. Mas, ao verificá-la, para a sua surpresa, seus olhos não apareceram na foto. Uma imagem muito intrigante e assustadora. Kika entendeu ser um problema do aparelho e o entregou a Lila que vestiu o casaco, fez pose com cara de mau e deu logo o clique. Ao verificar o aparelho ficou ainda mais assustado. Seu rosto estava estranho. Não tinha boca. Todos entenderam imediatamente que não era um problema do aparelho. Guga mesmo assim vestiu o casaco e posicionou-se para a selfie, mas não teve coragem para prosseguir. Como não sabia o que estava por trás de tudo aquilo achou melhor recuar. Retirou o casaco e sugeriu que saíssem daquele local imediatamente. Depois de andarem mais alguns quilômetros encontraram a via principal e seguiram destino. Num percurso de descida muito íngreme, a bicicleta de Kika perdeu os freios. Ele não conseguiu controlá-la numa curva e chocou-se contra uma cerca de arames farpados. Seus olhos foram perfurados gravemente e, em consequência disso, veio a perder a visão. Quando Lila viu o amigo naquela situação entrou em estado de choque. Começou a chorar copiosamente e quando tentou gritar faltavam-lhe as cordas vocais. Ficara mudo. Guga refletiu sobre o que estava acontecendo e não teve dificuldade para concluir que tudo estava relacionado ao que ocorrera na casinha assombrada. A conclusão era óbvia. O problema era que Guga não havia feito a selfie premonitória e, por conta disso, não dispunha de nenhuma pista a respeito de seu futuro funesto. A sensação de que algo terrível pudesse lhe acontecer a qualquer momento o deixara transtornado. Simplesmente enlouquecera.

Vander Cruz
Enviado por Vander Cruz em 20/05/2020
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