PHÁRMAKON

Luiz Henrique chegou em casa tarde mais uma vez. Nos últimos meses dedicara mais tempo ao serviço do que à casa e à própria esposa. Abriu a porta bem devagar, como de costume, mas surpreendeu-se por não haver sido recepcionado por Bianca. Ela costumava aguardá-lo na entrada e recebê-lo com um abraço apertado e um beijo gostoso. Diligentemente dirigiu-se ao quarto onde a encontrou deitada, cansada e sonolenta. Reclinou-se solicito, levou a mão ao rosto da amada e assustou-se com a sua temperatura. Bianca ardia em febre. Luiz Henrique correu até a cozinha, apanhou uma bacia com água, na qual mergulhou uma toalha e a pôs sobre a testa de Bianca com o intuito de controlar a febre. Pegou um antitérmico na caixinha de remédios e lhe deu. Aos poucos ela foi apresentando certa melhora. Há alguns meses a saúde de Bianca mostrava-se fragilizada e, embora estivesse sendo acompanhada por uma excelente médica, estava longe de obter um diagnóstico concluso. Luiz Henrique parecia um pouco desnorteado, já que não acompanhou a esposa a nenhuma consulta e sentia-se um tanto culpado por sua ausência neste momento tão crítico. Bianca vinha tomando os remédios receitados pela médica regularmente, mas não percebia melhoras. Apesar de tudo, Luiz Henrique tinha convicção de que a médica sabia bem o que estava fazendo. Seu telefone tocou, mas não quis atender, fingiu não ter muita importância e tratou logo de passá-lo para o modo silencioso. Assim que Bianca adormeceu Luiz Henrique foi até o banheiro e retornou a ligação. Era Beatriz, a pessoa com quem vinha passando a maior parte do tempo nos últimos meses. Era uma mulher linda e inteligente, porém, insegura e obsessiva. Luiz Henrique explicara que não podiam ficar juntos porque ainda amava Bianca, mas ela não parecia capaz de compreender ou aceitar tal desfeita. Luiz Henrique pediu para que ela parasse de ligar porque precisava dar atenção à esposa adoentada. Beatriz advertiu quanto a ineficácia de chorar sobre o leite derramado, Luiz Henrique, porém, estava sem cabeça para decifrar ditados. Ao ouvir o chamado de Bianca, ele desligou o telefone e seguiu imediatamente para o quarto, onde viu a esposa ser acometida por uma espécie de convulsão. Ela começou a sentir um mal-estar generalizado, o coração acelerou, teve palpitações, a respiração ficou ofegante, com sensação de sufocamento, tontura, tremedeira, formigamento nas mãos e na boca, por fim, sentiu uma terrível dor no peito e desfaleceu. Luiz Henrique, desesperado, lançou mão da receita que estava sobre o criado-mudo e começou a discar para o número da médica de Bianca. De repente, sentiu o coração congelar e, perplexo, verificou na tela do celular: LIGANDO PARA BEATRIZ. Naquele momento Luiz Henrique desvendou a correlação macabra existente entre a meteórica piora de Bianca e os remédios receitados pela médica. Só então compreendeu que realmente não adiantava chorar sobre o leite derramado porque a doutora Beatriz sabia muito bem o que estava fazendo.