A MISTERIOSA VILA 42 – A SAGA

Passadas quase três gerações, a vida em Kalle segue seu curso e mantem suas tradições da pesca do bacalhau, mas seus habitantes já envelheceram bastante, muitos deles já morreram. Sua tradição é a pesca do bacalhau. Seus mistérios continuam em torno da fortaleza do grande desfiladeiro, local dado como pávido e sombrio, sendo assim, é evitado pelos moradores da ilha. Alguns dos anciãos que ainda vivem, são bisavós e avós, e é através deles que os jovens sabem do ocorrido no passado, muitos afirmam que um dia a besta descerá das montanhas. Outros evitam comentar sobre os segredos encerrados entre os paredões daquelas montanhas. O fato é que o ar misterioso paira sobre aquela longínqua ilha.

O grande mercado do porto continua ativo, as pessoas caminham amontoadas entre as barracas, comprando e vendendo itens de suas necessidades. Os barcos pesqueiros continuam chegando e saindo todos os dias. Os homens do mar fazem as mesmas coisas, comem, bebem e se divertem nos intervalos entre as longas pescarias nas águas geladas do norte. O mercado é a grande atração da pequena vila. Lá se encontra de tudo, desde tubarões martelo, até móveis rústicos trazidos de outras ilhas distantes. Sob o olhar quase obsceno dos marinheiros, as moças ruivas, características da região, desfilam com seus belos chapéus e seus longos vestidos, dando um certo romantismo ao lugar.

O grande galpão do velho cocheiro, resiste e continua de pé, mesmo após tantos anos sofrendo as intempéries e a maresia. O mesmo não se pode dizer do velho, ele já atingiu o centenário, andar para ele já se tonou uma utopia, assim como outras tantas coisas que lhes eram corriqueiras. A função de cocheiro da carruagem e dos valentes cavalos, jazem apenas no túmulo das lembranças há muito tempo. Sentado em uma cadeira que já gravou sua impressão no assento de madeira, ele passa maior parte do dia nos fundos do galpão onde ele pode ver o movimento do porto. O velho agora passa seu tempo contando e resgatando suas memórias recheadas de mistérios. Ainda assim, ele recebe marinheiros que necessitam de pernoitar ou passar alguns dias em Kalle. Outra visita ilustre e raríssima a qual ele reverencia, é o grande Asgard. Mas essa visita é reservada.

Estamos em pleno verão, as nuvens gigantescas se formam no céu anunciando uma grande trovoada, as nuvens tem coloração de chumbo, o céu enegreceu, são quase seis horas da tarde. Um grupo de moças se apressa em procurar abrigo sob uma grande tenda de lona. Entre elas, uma chama atenção pela sua beleza, seus olhos azuis em contraste com seus cabelos negros, formam cachos e se debruçam sobre seu busto escultural. Seu sorriso é de um encanto avassalador, por baixo do longo vestido branco, transcende a obra de arte ali contida.

Não demora e torrente despenca com toda a sua força, os relâmpagos iluminam a repentina escuridão do céu, revelando imagens voláteis impressionantes. Sob a tenda de lona o grupo de moças se diverte. Mas, algo não passa despercebido pela moça dos olhos azuis, seu olhar vagueia pelo mercado e se cruza com o olhar de um cavalheiro na outra extremidade da tenda. O belo rapaz de estatura alta, olhos castanhos claros, seus cabelos negros contornam seu rosto de uma beleza singular.

Vestido em um sobretudo de couro, botas de cano longo e chapéu de caubói, e a julgar pelos alforges e apetrechos sobre seu belo cavalo, ele vem de muito longe. Sua presença provoca alvoroço entre as moças, que o cobiçam, mas seus olhos se enfeitiçam no olhar azul da donzela.

Cavalo apeado no mourão ao lado, ele caminha em direção ao grupo de moças. Ao se aproximar dela gentilmente se apresenta, lhe pergunta seu nome e lhe diz o quanto que ficara impressionado com a sua beleza. Ela se sente lisonjeada e retribui os elogios. As outras moças sentem um pouco de ciúme, mas entendem a preferência do jovem. Nesse momento ela sente algo singular, algo que não compreendia perfeitamente, mas naquele jovem havia algo inusitado, mas que lhe era estranhamente familiar, lhe transcendia os sentimentos.

Naquele exato instante, um relâmpago rasgou o céu negro e em sua enorme cicatriz, projetou uma face masculina e paterna, que aos poucos se esmaeceu num sorriso enigmático e impressionante. Os estrondos continuam a ecoar no grande desfiladeiro. Ali, naquele momento eles perceberam que não mais controlariam suas paixões.