COMO ZÉ GARCÍA DESAPARECEU - (ESPECIAL HALLOWEEN 9) - MINICONTO

Existem outras dimensões. Eu acredito. Hoje eu acredito. Passei a acreditar depois daquele dia. Você também acreditaria se tivesse visto o que eu vi em 1979.

Naquela época eu tinha 25 anos e trabalhava em uma firma de pavimentação. Conheci muitos lugares nesse serviço, a gente nunca parava em um só lugar, era um serviço itinerante e cansativo, mas pagava muito bem, bem o suficiente para eu sustentar minha mulher e meus dois filhos.

Me lembro que era o dia 12 de outubro de 79, um dia chuvoso e lúgubre, do tipo que dava vontade de permanecer na cama e dormir até o meio dia.

Eu estava desanimado porque minha mulher estava sentindo fortes dores no útero e havia uma suspeita de câncer. Podem imaginar como eu estava explodindo de preocupação.

Entrei no caminhão sem me preocupar para onde íamos naquele dia. O destino foi Santo Antônio do Pinhal, que ficava a alguns quilômetros nas montanhas.

O caminhão encostou na beira da estrada, nós descemos e começamos a trabalhar.

Meu companheiro de trabalho era o Zé Garcia. Zé era um bom cara. Tinha o dobro da minha idade, gostava de uma pinguinha, na verdade ele trabalhava meio "mamado", você podia sentir o bafo de cachaça quando ele falava. Ele vivia cobrando histórias sobre as coisas que haviam acontecido com ele, eu sempre achei que mais da metade do que ele falava não passava de lorotas.

Naquele dia ele estava contando que tinha visto algumas luzes no céu na noite passada, e tinha certeza que eram discos voadores.

Eu me limitava a responder com sim e não, ou com "oh". Realmente não estava muito bom para conversa.

Zé ia falando enquanto trabalhava com a lata de piche, ele colocava a mistura no buraco e eu espalhava com a enxada. E ele ia falando e falando, e blá blá blá.

Eu senti uma coisa estranha por volta das nove da manhã. Não sei bem explicar o que era, parecia uma alteração na temperatura, de repente o frio deu lugar ao calor e eu vi literalmente o asfalto passar do molhado para o seco.

Todos nós (estávamos em oito) percebemos a mesma coisa.

Foi então que o carro surgiu.

Você pode dizer: é claro que o carro veio de uma curva.

Seria o certo a pensar, mas eu te digo que não havia curva nenhuma. Na verdade havia, mas estávamos a mais de 300 metros dela.

Não, aquele carro apareceu ali. Ele não veio da estrada, entende o que eu quero dizer?

Aquele carro apareceu do nada, bem ali na nossa frente. Tivemos que nos jogar para o lado para não sermos atingidos por ele.

Ele passou por nós a toda velocidade, percorreu todos os 300 metros até a próxima curva e se chocou contra o barranco, e finalmente parou.

Todos ficamos parados olhando aquela coisa sem entender ao certo o que estava acontecendo e então me lembro que Zé Garcia saiu correndo na direção do carro e nós fomos atrás dele.

Zé já estava com a mão na maçaneta da porta do veículo quando eu cheguei.

— Tome cuidado Zé.

—Pode ter alguém precisando de ajuda aqui dentro.

Eu olhei para o carro tentando adivinhar que modelo era, e, por Deus, não consegui. Era um carro esportivo prata, quase desbotado, o vidro traseiro estava sujo o suficiente para alguém escrever com o dedo: me lave.

Zé abriu a porta e todos arregalamos os olhos.

O interior estava vazio.

Me lembro como se fosse hoje. O Zé abrindo a porta daquele carro e não encontrando nada, e eu senti um cheiro estranho que vinha de dentro do carro e eu acho que era cheiro de peixe.

Foi então que aconteceu aquilo. Tudo muito rápido. Quando me dei conta Zé Garcia estava com metade do corpo dentro do carro e acho que ele foi sugado, literalmente sugado. A porta se fechou sobre ele. O carro deu ré, manobrou enquanto nós gritávamos em pânico.

Eu sei o que vi, e o que vi foi aquele carro entrando numa espécie de luz branca e desaparecendo.

Foi a última vez que vi Zé Garcia.

Você pode acreditar ou não, não julgo você.

Porque estou escrevendo isso quarenta anos depois?

Bem… ontem eu vi o carro encostado na frente da minha casa (tenho certeza, as palavras me lave estava escrita do vidro sujo de trás). Eu achei que deveria.

Luis Fernando Alvez
Enviado por Luis Fernando Alvez em 09/10/2020
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