O melhor café do mundo

Eu sempre gostei de aventuras. Sair à noite para visitar minhas amigas que moram nos bairros mais periféricos da cidade, tendo em vista o alto índice de criminalidade, faz parte do pacote de desbravamento e diria até de insanidade. Mesmo numa moto Biz 125, equipado com capacete, o medo não me impedia de sentir calafrios.

Natasha morava há muitos quilômetros da minha casa, quase do outro lado da cidade de Teresina, e eu a visitava, religiosamente, todas as quartas-feiras após o futebol na TV Globo. Ela estava passando por uma crise séria no casamento, suspeitava que o marido a traia, mas não tinha provas, e pretendia dar cabo da própria vida, então sempre ia lá na casa dela no intuito de impedir esse ato de loucura.

Nos conhecíamos desde o ensino médio, quando estudamos no Liceu Piauiense e o destino cuidou de nos aproximarmos. Ela super me apoiou quando revelei que sou gay, pois não tenho nenhum trejeito que dê tanto na cara. Inclusive, me convidou para ser padrinho do filho mais velho dela, Ícaro, que hoje me paquera às escondidas...

Numa dessas noitadas da quarta pós futebol, quando eu voltava da casa de Natasha, após longas horas de risadas e goles generosos de café, um rapaz que andava à pé, no encostamento, aparentemente perdido, me chamou a atenção: era muito belo, moreno bronzeado e corpo escultural de dar inveja a qualquer marombeiro. Diminui a velocidade da minha Biz, e parei ao lado dele, perguntando para onde ele estava indo àquela hora tão tarde. Pelas suas vestes, o rapaz, de cerca de 25 anos, não tinha casa nem família, mas não era exatamente um mendigo.

– Estou andando por ai... Porque? – o rapaz me perguntou, quase desconfiado qual era minha intenção.

– Se quiser, posso te dar uma carona, dependendo para onde esteja indo. –respondi levantando a viseira do capacete. – tenho outro capacete extra no bagageiro.

O rapaz, que se identificou apenas como Antony, mas suspeitei que ele inventou esse nome na hora, aceitou a carona. Peguei o capacete e dei para ele. Subiu na moto e andamos alguns quilômetros. As ruas não estavam abarrotadas de gente como antes, e a hora não favorecia muito. Beirava as duas da madrugada, mas não estava frio. Teresina costuma ser escaldante boa parte do ano.

Senti quando Antony se aproximou mais de mim. Aquele contato de sua coxa musculosa entre o short e minha camisa, deixou-me arrepiado, confuso e não menos excitado. Ele levou suas mãos à minha cintura e segurou-me firme, como se quisesse se encaixar entre mim. Não tinha como eu reclamar ou protestar, o vento impedia qualquer barulho com a viseira do capacete fechada e eu andava em alta velocidade.

Percorremos uns trinta quilômetros até Antony pedir para parar. Assim fiz. Era uma rua completamente escura e deserta, longe de edifícios e de qualquer sinal que alguém poderia aparecer, caso esse homem estranho quisesse me fazer mal. Ele desceu da moto e me devolveu o capacete, ao se despedir, pegou em minha mão e fez um tradicional gesto obsceno na palma da mão, convidando para transar. Fiquei em pânico. Não sabia se ria ou se chorava.

Aquele homem belíssimo e gostoso afim de mim, uma bicha totalmente fora dos padrões aceitáveis pela maioria dos gays. Então o segui até uma construção abandonada e lá rolou...

Na manhã seguinte, assim que acordo e ligo a TV, me deparo com minha imagem estampada em todos os telejornais. Haviam das mais variadas manchetes: “Dois homens planejam assalto e um dos bandidos é morto”, “Homem estranho é encontrado morto após roubo”, “Procura-se um dos bandidos que roubou o Banco do Brasil”.

Não estava entendendo nada. Meu celular não parava de chamar. Não atendi nenhuma ligação, nervoso. Todas as minhas redes sociais haviam sido denunciadas e desativadas.

Deixei a xícara de café cair e estilhaçar no chão quando vi a imagem de Antony caído no chão, morto, no mesmo local que havíamos feito sexo. Mas quem poderia ter feito aquilo com ele, por qual motivo? Notei que ele carregava uma bolsa pesada, mas não fazia ideia do que poderia ser.

Quem o matou levou o celular dele. Mas as câmeras de segurança de vários pontos da cidade me flagraram andando com ele. Entrei em desespero. Estavam falando meu nome na TV como se eu fosse bandido. Procurei Natasha, ela foi à minha casa;

– Tome só mais um cafezinho que acabei de preparar, amigo. – disse ela, sempre tão amigável e solícita. – Isso, toma, esse pesadelo vai já passar.

Acordei no dia seguinte com a cabeça doendo e com aquela sensação estranha de não lembrar de nada. Peguei imediatamente o celular e liguei para Natasha, que atendeu quase no fim do toque da chamada.

– Oxente, eu não fui preso? – perguntei, sentindo um pontada na cabeça e feliz por ainda estra na minha casa.

– Do que você está falando, amigo? – o tom de voz de Natasha soou surpresa e indiferença.

– Do cara que dei carona e amanheceu morto.

– Que cara? Não estou entendendo é mais nada.

– Natasha, não me deixe mais perturbado do que já estou, por favor! – minha voz saiu mais alterada do que imaginei. – Vi a polícia me procurando como suspeita desse crime bárbaro.

– Você precisa tomar mais um café para relaxar. Deixei a garrafa cheia. Vá logo enquanto está quentinho. – respondeu ela calmamente.

Fui à cozinha e me servi de uma generosa caneca de café. Era o café mais gostoso que já tomei na vida, na verdade, todos que Natasha prepara são deliciosos, lembram a infância. Bebi até o fim, quando percebi um pó branco diluído no fundo da caneca.

Fim

Patrick Sousa
Enviado por Patrick Sousa em 01/11/2020
Código do texto: T7101119
Classificação de conteúdo: seguro