A Forma

É noite de Lua cheia. Com sono, ele fecha o livro, apaga a luz do quarto, se deita virado para a mesinha de cabeceira, acende o abajur e olhando para o retrato da sua falecida esposa, dorme.

Acorda repentinamente no meio da madrugada com uivos de cachorros do lado de fora, sente sua garganta seca e uma sede incomum. O quarto agora está mais claro, sob a luz do luar que entra pelas frestas da cortina. Ele se levanta e desce até a cozinha para tomar um copo d'água. No caminho passando pelos corredores daquela casa vazia e silenciosa, sente um forte arrepio em seu corpo.

Após beber a água, volta para o quarto. Ao fechar a porta que range, vê de relance algo estranho no corredor, torna abrir a porta e agora não vê nada além da escuridão.

Se deita e olhando para a foto da sua amada, a janela que está do outro lado começa a bater forte com o vento que surge soprando o quarto fazendo as cortinas chacoalharem. Inquieto vira-se para o lado da janela. Nesse momento observa um brilho enigmático no canto do quarto, diferente da luz que estava entrando parecia com várias bolas de luz de tamanhos distintos suspensas do chão e vagamente começam a se agrupar criando traços de forma humana.

Ele pisca repetidamente, esfrega os olhos pensando ser algum cisco ou cílios que estava distorcendo sua visão, olha novamente e ela continua lá. Assustado bate a mão no interruptor com força e acende a luz, contudo a forma permanece brilhando, uma voz suave então surge ecoando por todo o cômodo dizendo: “Eu estou bem, continue a sua vida... Eu te amo...”. Nesse momento ele fica completamente imovel, olhando para a forma de luz que aos poucos se desfaz. Depois de um tempo, após ela desaparecer, lágrimas começam escorrer em seu rosto e não conseguindo se conter, chora intensamente com uma mistura de lembrança, medo e felicidade.

Havia se passado um ano do covarde assassinato de sua esposa em um assalto voltando do trabalho. Ao entregar seus pertences e correr, o meliante dispara dois tiros em suas costas derrubando-a no chão. Depois do ocorrido, nada e ninguém conseguiu o consolar, sua dor era tamanha que a ferida não fechava. Sentindo-se completamente sozinho e sem esperança, seus dias tornaram-se frios e tempestuosos.

Nunca fora de acreditar em coisas espirituais, seres de outro mundo, céu e inferno. Sempre dizia ser apenas histórias para tentar preencher o vazio existencial inerente a cada ser humano, porém o que a acabara de presenciar em seu quarto, mesmo sabendo que poderia ser uma alucinação, lhe trouxe a esperança e paz que tinha perdido.

De volta em seu estado normal, após lavar o rosto no banheiro, sentado em sua cama, tirou a foto dela do retrato, levou até seu peito, apagou a luz e dormiu segurando-a consigo.