A Noite do Ramadã

O prisioneiro, sentado numa cadeira branca de plástico e vestindo um macacão laranja, ergueu os olhos quando a dupla de interrogadores, um homem e uma mulher, entrou na sala de paredes nuas e chão de cimento. Eles tomaram assento em duas outras cadeiras de plástico, atrás da mesa de madeira junto à única porta do aposento.

- Pronto para falar, Jawaad? - Indagou calmamente a mulher, cujo uniforme preto contrastava com sua pele e olhos claros.

- Achei que já tinham entendido que lhes dei toda a informação relevante que era do meu conhecimento - replicou Jawaad com voz cansada.

- Você deu boas dicas, é verdade, - admitiu a mulher - mas sou capaz de apostar que sabe muito mais sobre o comando da organização.

- Eu era apenas o líder de uma célula da Sayf al-Islam - disse Jawaad em tom monocórdio. - Quantas vezes vou ter que repetir isso?

- OK, - manifestou-se o outro interrogador, que parecia ainda mais jovem do que a colega, e tinha traços orientais - mas para se tornar líder de célula, você deve ter tido contato com o nível imediatamente acima. Nós só queremos que nos dê esse nome.

- Quem era o seu chefe? - A mulher inclinou-se sobre a mesa, olhos cravados no prisioneiro.

- Ninguém usa o próprio nome nos escalões acima de líder de célula - afirmou Jawaad. - Da mesma forma que vocês não se chamam Rosa e Dr. Mike, não vai adiantar se lhes disser que o homem que me promoveu atendia por Zaim.

- Zaim de quê? - Questionou a mulher.

Jawaad riu.

- Está vendo? Você é Rosa de quê?

- Não sou eu quem está sendo interrogada - retrucou a mulher, irritada.

O rapaz tentou contemporizar.

- Calma, Rosa. O Jawaad parece estar tendo um súbito ataque de boa vontade...

- É bom que esteja, pois estou propensa a mandá-lo para o Campo Dodge, se continuar com essa teimosia.

O prisioneiro remexeu-se na cadeira, em desconforto.

- O Campo Dodge não havia sido fechado? - Questionou.

A mulher lhe deu um sorriso feroz.

- Oficialmente, sim; as denúncias de tortura foram má publicidade. Mas nós continuamos operando em off, para receber clientes especiais como você.

Jawaad engoliu em seco.

- Bem... eu fui sincero quando disse que não sei qual o verdadeiro nome de Zaim, mas posso lhes dizer como descobrir onde ele vai estar. Desde que eu não seja transferido para o Campo Dodge, claro.

- Se a informação for quente, creio que dá para conseguir isso - afirmou Dr. Mike.

- Onde encontrar Zaim, Jawaad? - Inquiriu a mulher.

- Não onde, mas quando - replicou o prisioneiro.

* * *

As tropas de ocupação mantinham drones armados sobrevoando permanentemente a capital do país invadido, e um alerta foi dado aos operadores de plantão: na primeira noite de Lua cheia, no Ramadã, a cúpula da Sayf al-Islam realizaria um encontro para discutir novos atentados. A reunião estaria disfarçada como uma celebração do iftar, a quebra noturna do jejum durante o Ramadã.

- Vai haver milhares de celebrações como essa por toda a cidade - relembrou o supervisor de Rosa e Mike, ao receber a informação. - Como vamos saber em qual delas Zaim estará?

- Jawaad nos deu uma dica - informou Rosa. - Ele irá até a casa onde haverá o encontro, num Peugeot 205, vemelho.

- A cor e a marca do carro são o sinal de que o próprio Zaim estará a bordo - afirmou o Dr. Mike.

- A informação continua vaga - redarguiu o supervisor. - Nessa exata noite, pode haver dezenas de Peugeot 205 em circulação.

- Jawaad afirmou que o encontro seria fora da cidade, provavelmente numa casa isolada.

- Bom, agora podemos restringir a área de busca - aprovou o supervisor. - Vou avisar o comandante da base.

E quando a Lua cheia surgiu esplendorosa, um dos drones detectou um Peugeot vermelho dirigindo-se para uma casa simples entre palmeiras, nos arredores da cidade.

- Não posso garantir que o alvo será capturado com vida - informou o operador do drone para o comando da base.

- Passe fogo no maldito terrorista! - Foi a resposta recebida.

O drone disparou um único míssil, que sequer precisou atingir diretamente o automóvel para que este fosse lançado para fora da estrada, convertido num montão de ferragens retorcidas. Cinco minutos depois, um helicóptero de combate pousou ao lado do veículo, e a guarnição desembarcou, rifles em punho, afastando os curiosos que estavam aproximando-se.

- Assunto da Coalizão, não se aproximem! - Gritaram.

Os soldados rodearam o Peugeot, e um agente da inteligência militar olhou para dentro do carro. Sua expressão alterou-se, de imediato.

- Médico! Médico! - Exclamou.

O socorro chegou pouco depois. Uma família - pai, mãe e duas crianças - foram retirados sem vida de dentro do veículo.

- Eu conheço o homem; - disse o agente para o comandante da base - é o reverendo Tomas, que já morava na cidade antes da invasão. Fomos enganados!

- O que Tomas estava fazendo, indo para a casa de um árabe no Ramadã? - Questionou o comandante.

- Ele deve ter sido convidado - especulou o agente. - No Ramadã, os árabes convidam os amigos para o iftar, mesmo que estes não sejam muçulmanos.

As forças da Coalizão interrogaram o dono da casa para onde o reverendo estava se dirigindo, mas não conseguiram nenhuma prova de que ele estivesse vinculado à Sayf al-Islam. A divulgação da reunião também havia sido feita publicamente, portanto nem se podia dizer que o reverendo fora atingido por engano; a informação simplesmente não havia sido conferida.

No dia seguinte, Jawaad foi transferido para o Campo Dodge. Contam que estava às gargalhadas, ao ser embarcado num transporte militar.

- [11-02-2021]