INFERNAL

O dia amanheceu chuvoso na cidade do Rio de Janeiro, uma chuva daquelas que quando a água cai o mundo parece que vai desabar na nossa cabeça.

Vários pontos de alagamentos se alastravam pelas ruas transformadas em cachoeiras e rios, como é de costume sempre que chove um pouco mais por aqui.

Mas assim mesmo peguei o carro e resolvi encarar o temporal em direção à empresa. Demorei pra chegar. Tinha algumas reuniões agendadas pela manhã com meus funcionários e uns executivos de uma grande multinacional, que me renderia mais um contrato multimilionário.

A crise tá grande na maioria dos setores, porém, eu não tenho do que reclamar no meu de Startups, que produzem ferramentas e softwares pra trabalhos remotos. Nunca ganhei tanto dinheiro, são centenas de aportes e propostas de financiamentos mensais.

Só que a tempestade tá tão caótica que achei melhor cancelar e remarcar todos os compromissos do dia. Fiz isso porque a coisa tá realmente feia, afinal, não ia jogar fora a chance de levantar mais alguns milhões.

O dia mal começou e essa maldita chuva já acabou com ele. Não há muito o que fazer hoje. Melhor coisa é ir no café aqui próximo à sede, difícil vai ser não levar um banho e atravessar as gigantescas poças pelo caminho.

Ufa! Depois de me ensopar na curta caminhada, enfim, vou conseguir tomar um precioso café expresso. Nada de bom na TV e nas páginas de notícias, só fala dessa bendita tempestade do cão. Pelo visto hoje vai ser complicado chegar em casa.

— Quanta água é essa! E esse vendaval?? Agora começou a cair esses raios, que mais parecem bombas. – reclamava o atendente na cafeteria.

— Nem fala! Hoje vai ser difícil andar por essa desgraça de cidade. Chegar em casa então... Puta merda! Aproveita e me vê um café bem forte aí pra encarar esse perrengue.

Até que tá cheio, a galera gosta muito de tomar um café e passar o dia falando merda. Não tem tempestade que impeça isso.

— Café bem passado saindo!

— Opa! Brigado, fera! Vocês são os melhores, não dá pra passar o dia sem esse café. Acho que eu já sabia que iria cancelar minhas reuniões de hoje, mas encarei o temporal porque meu subconsciente tava pedindo esse combustível. – falei dando aquela gargalhada enquanto o clarão e os estrondos do trovão invadiam o estabelecimento; o vento e a água pareciam querer carregar tudo.

— É! Vou acabar tendo que passar o restante do dia aqui dentro pelo jeito. Sorte que o carro tá no estacionamento aqui perto, só espero que esse aguaceiro não leve a minha máquina também, a carreta custou mais de duzentas mil pilas.

— Hoje tá complicado... – soltou o atendente, que já havia se tornado um amigo de tanto me servir.

***

— Fala comigo. Ele tá na área. Tá sozinho. Fica esperto que vou avisar quando sair.

— No aguardo.

— Levantou. Acho que agora vai... Porra! Foi só no banheiro de novo.

Vou me adiantar, porque se for pra esperar essa chuva passar, só vou sair daqui amanhã.

— Valeu, irmão! Tá na minha hora, senão não saio daqui hoje.

— Até mais. Cuidado com a chuva! — respondeu o balconista.

O tempo fechou de vez, o dia virou noite. Um final da tarde com cara de madrugada. Centro da cidade praticamente deserto.

— Ele acabou de sair.

Chegando no estacionamento ainda me deparo com dois menores vagabundos pedindo dinheiro. Vão trabalhar, porra!

Graças a Deus a máquina tá intacta, difícil vai ser acelerar o bichão, melhor se fosse um barco.

Alguns metros adiante, ruas vazias e o primeiro bolsão d'Água já obstruía o caminho...

— O que esse carro tá fazendo tão colado aqui... Ué! Que merda é essa?!

— Perdeu! Desce agora, otário! Abre essa porta, senão tu vai levar bala. – Dois homens vestidos de preto, encapuzados com balaclavas, batiam com o fuzil no vidro do carro.

— Calma! Calma! Aqui a chave. Leva tudo!

— Cala a boca, vagabundo! Queremos levar só você. – um dos encapuzados arrebentou a minha cara com uma forte coronhada.

Abriram a mala e me jogaram lá desnorteado, como se fosse um saco de lixo.

Partiram em alta velocidade, era um modelo de caminhonete fechada, nem parecia que a chuva tinha inundado tudo.

— Socorro!!! – Eu tentava gritar ao recobrar a consciência. Mas essa fita que calava a minha boca era resistente, não conseguia desvencilhar meus braços e pernas.

Pra onde estão me levando. Que merda é essa!! Vou morrer. Quem tá fazendo isso. Será...

A ansiedade era mil, pensamentos acelerados e embaralhados. Uma sensação indescritível de desespero e pânico. Um fuzil na cara e depois isso... a maldita tempestade não era nada perto do que tô passando agora.

Dentro do porta malas só consigo ouvir a tempestade. Ainda parece intensa.

Ouvi o barulho da chuva diminuindo e agora acho que o carro tá reduzindo.

Parou. As portas bateram.

Uma luz surgiu pela tampa do porta-malas sendo levantada. Mas não deu pra ver quem abria. Recebi imediatamente outra porrada, e dessa vez arrancou instantaneamente não sei quantos dentes. Apaguei.

Acordando não sei quantos minutos ou horas depois, com uma porra de uma venda, ouço algumas vozes ao fundo. Só pode ser os sequestradores tramando a morte mais cruel pra esse pobre pecador.

O que eu fiz pra merecer esse dia!

— Aquele garoto do café é bom. Temos que aumentar a porcentagem dele. Já é o quarto cliente que ele arruma pra nós.

— Tira isso da cara dele. Ei! Acorda, desgraçado!

— Hmm... – desnorteado tento observar o que parece ser um galpão, os dois homens que pareciam ser os do carro e mais uns cinco. Esses não tinha visto ainda. Acho que agora tão sem máscara, mas tá escuro.

— Vou ser direto, seu pilantra. Quero as criptomoedas. Vou querer só aqueles dez milhões agora, vai transferir pra cá.

— Eu não tenho! – soco na cara e não sei se ainda tenho mais algum dente pra perder.

— Não tem chance. Agora ou já era pra você.

— Mais uma pancada tu vai me matar, cara. Não tenho como transferir com essa agilidade. – estrebuchei.

— Vamos matar esse filho da puta logo. Não tenho tempo. Pega o fuzil. Deu muito trabalho pra morrer de pistola. Me dá aqui, vou dar uma rajada na cara desse merda.

— Porra! Não faz isso. Pelo amor de Deus! Eu dou um jeito. Tenho muito mais que esse valor.

— Agora ou já era, seu desgraçado de merda!

— Chefe! Tá acontecendo alguma coisa lá fora. Que porra eu não sei...

— Caralho! Acho que é a polícia...

Só ouvi os estouros, explosão pra caralho... bala voando pra todo lado e eu amarrado. Acho que é uma granada... agora já era pra mim; porra! É de efeito moral só.

Não sei se tô com sorte ou azar...

Os caras tão tudo de fuzil, mas agora só têm dois de pé. O chefe e o outro que me abordou no carro. Caralho! Tomei um tiro, que desgraça. É dessa vez...

Caíram, porra!! Um com um tiro no peito e o outro com um de fuzil bem no meio da cara. Só deu pra ver o vermelho do sangue jorrando. Esse filho de uma puta mereceu! Ainda tô vivo... não acredito, mas tô perdendo sangue demais. Ô porra!

— É a polícia! Deita no chão, cambada de vagabundo!

— Socorro! Tô aqui. Acho que já tão todos deitados. Mataram geral. Puta merda... tô baleado.

— Relaxa aí, irmão. A ambulância tá chegando. Tu vai ficar vivo. Foi de 7.62, mas pegou de raspão na tua perna.

Já na ambulância o oficial vem até mim.

— Cara, tu deu muita sorte. Você ia morrer. Esses vagabundos tão sendo procurados faz um tempo. São da milícia que domina a região, nos últimos meses eles intensificaram a prática do sequestro. Você foi o quarto, eles só iam nos alvos certos. Tudo parecido com você.

Prosseguiu o oficial com a falação, e eu só queria sumir daqui...

— Dois foram encontrados carbonizados em porta-malas; um pagou o que pediram, mas mesmo assim acabou no forno; o outro não chegou a fazer a transferência e teve o mesmo fim; o terceiro pagou, provavelmente ia morrer também, mas chegamos no cativeiro igual agora, só que os marginais se evadiram, estávamos na cola, mas não logramos êxito. Mas graças a Deus, hoje foi diferente. Enchemos esses vermes de bala.

Porra! Quanta merda eu ainda ia ter que ouvir depois do que passei...

— Tinham sumido do mapa por uns dias, estávamos monitorando uns lugares. A sua sorte foi que dois menores de rua, que estavam perto do estacionamento onde tu pegou o seu carro... viram toda a ação e, por sorte, chamaram uma viatura que passou logo em seguida pelo local. Puxamos e rastreamos o trajeto pelas câmeras daquela rua e imaginamos que tivessem te trazido pra cá.

Mas têm mais gente com eles. Alguém que arrumava as presas. O recrutador. Imagina quem seja?

— Eu ouvi eles falando. É aquele desgraçado que me servia café!

A maldita chuva continua.

Que dia infernal!

LiteratoVidal
Enviado por LiteratoVidal em 09/04/2021
Reeditado em 09/04/2021
Código do texto: T7227465
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