O velho baú

Julio nasceu no Brasil, neto de Toríbio e Maria, ambos italianos da região da Calábria. Vieram para o Brasil sozinhos, por necessidade, e aquí se assentaram em um pequeno sítio próximo à Caxias do Sul. Tiveram somente um filho - Manoel, pai de Julio. A família trabalhou duro com plantio de uvas para permanecer na terra prometida com vida digna.

Toríbio e Maria, com 91 e 86 anos respectivamente, faleceram no mesmo ano, deixando o sítio órfão dos seus benfeitores. Nesse período Manoel já trabalhava em uma Vinícola em Bento Gonçalves e, juntamente com a esposa Rosa, conseguiram formar Julio, com muita dificuldade, em Direito.

E lá ficou o sítio, sem cuidado, sem uvas, sem cor.

Passados 5 anos da sua formatura, Julio decidiu, já com a cidadania nas mãos, fazer um mestrado na Universidade Reggio Calabria. Adaptou-se de pronto, como se o cheiro de seus avós - sim, ele sentia o cheiro dos seus avós por lá - o tornasse mais feliz. Conheceu Lisa, uma espanhola, e com ela conheceu o amor e formou uma família. A decisão de permanecer em Tropea foi inevitável.

Retornava ao Brasil 1 vez por ano e, no último, retornou em situação muito triste, para o funeral dos seus pais, que faleceram juntos em um trágico acidente na estrada que liga Bento Gonçalves à Caxias do Sul. Tudo foi rápido demais e, depois, Julio tomou conhecimento de que o trajeto fora feito porque o sítio foi passado para outras mãos, já que seus pais conseguiram vendê-lo, mas com uma condição: que o baú do dormitório de Bento e Maria não entrassem no negócio.

Dois dias após o funeral Julio decidiu cumprir a missão de seus pais. Contratou um pequeno caminhão-baú e rumou para o velho sítio com o coração apertado. Ele fora o palco da sua infância, a base para a sua vida, o ninho que o aconchegou à sua pequena família.

Na chegada já avistou a bergamoteira, a linda bergamoteira a qual escalava para transbordar a enorme bacia da vó Maria com bergamotas de sabor inigualável. Respirou fundo e encontrou o novo proprietário, Seu Pedro, gente humilde com semblante sereno. Explicou a situação e logo foi autorizado a entrar para retirar o baú. Sob ele observou uma inscrição entalhada, possivelmente por uma faca, com o seu nome.

Atônito, aquietou-se e lembrou das palavras da sua avó: “Vou entalhar o teu nome meu filho, para que fiques gravado no que de melhor os seus avós têm.” Nesse momento chorou, chorou muito, pois foram tantos anos envolvidos com tantas outras coisas que o baú e a sua importância, haviam sido esquecidos.

Já refeito, pediu para o motorista do caminhão para retirá-lo da casa com todo o cuidado, despediu-se, agradecendo o Sr. Pedro e, no retorno à Bento Gonçalves, decidiu que o levaria para a Itália. Não o abriu. Possivelmente faria isso quando retornasse à Tropea. Estava decidido: naquele momento providenciaria o seu transporte e nada mais. Não tinha a mínima condição de abrí-lo naqueles dias. Completaria o ciclo de 360 graus em homenagem e por amor à sua família.

(escrito na Oficina "Provocações" - módulo 03 da Editora Pragmatha)

Rosalva
Enviado por Rosalva em 14/05/2021
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