Spray de Pimenta

Era uma noite fria, beirava às 23 horas.

Uma fina garoa insistia em cair, afugentando os transeuntes. Quase ninguém ousou a desafiar o tempo.

Silêncio total, até que alguns passos rompem-no. Vinham de uma mulher, usando finos sapatos de salto alto, caminhando pela calçada, buscando abrigo sob toldos e copas de árvores, tentando desviar da fina chuva. Com os cabelos molhados e soltos, que vez por outra caia sobre os olhos, atrapalhando a sua visão.

O vento soprava cada vez mais forte, abafando o pouco barulho produzido pelos raros veículos que trafegavam pelas ruas da cidade.

Podia-se dizer que a cidade estava deserta.

O coração da mulher palpitava de medo. Olhava para os lados e não via ninguém, nenhuma viva alma que, além dela, teve a coragem de desafiar o clima frio e chuvoso.

Teve a péssima recordação sobre os noticiários da televisão que informavam sobre os crimes que estavam sendo cometidos naquela região, contribuindo para aumentar o seu temor

– Estou em perigo – pensava.

Ela se desespera e acelera os passos, ávida por chegar logo ao seu destino.

Sob a sombra de uma árvore, no escuro daquela escura noite, vistoria sua bolsa e constata que há um tubo de spray de pimenta, presente de seu irmão para o caso de algum imprevisto.

Respira aliviada, confiando no instrumento de defesa.

Segue caminhando e se assusta quando uma pessoa sai da fachada de uma loja e anda em sua direção.

Estava escuro e ela não consegue ver o seu rosto.

Era um homem.

Ela grita e corre.

Ele apenas caminha em sua direção.

Ela se distancia quando, ao pular uma poça d’água, torce o pé. Olha para a sua perna e o joelho está ralado. Olha para trás e o homem segue vindo em sua direção, sem nada dizer.

Levanta-se e tenta correr.

Não consegue.

O tornozelo dói; o joelho não dobra.

Tornou-se uma presa fácil.

Olha para os lados em busca de ajuda, não avista ninguém.

O medo toma conta dela.

O homem se aproxima.

Pulando em uma perna, tenta se desvencilhar dele

Não consegue avançar muito.

Ele continua a se aproximar.

O medo a assola ainda mais.

Tenta correr, cai novamente.

Ele está a poucos metros.

Pertíssimo.

Ela se recorda dos noticiários da TV e se prepara para o pior. Retira de sua bolsa o spray de pimenta e o esconde em uma das mãos.

O homem vem em sua direção, andando rapidamente.

Ela grita; ele acelera. 

Corre na direção dela.

Indefesa, não há mais como se safar. O homem abaixa com às mãoes estendendidas, fazendo menção de agaará-la, e ela aplica-lhe o spray nos olhos.

Ele grita.

Ela grita.

Os dois gritam.

Cego e tossindo, ele sai correndo e xingando.

Ela o reconhece, é o seu irmão. O chama pelo nome.

Ele, bravo, não dá ouvidos à mulher. Sai em direção ao seu destino.

No dia seguinte, em casa, no café da manhã, ele relata que foi ajudar uma mulher que estava caída debaixo da chuva e foi recebido com spray de pimenta.

- Deve ser alguma lunática - diz ele.

Ela concorda, se cala e apenas sorri.

Glaucio Queiroz Oliveira
Enviado por Glaucio Queiroz Oliveira em 29/07/2021
Reeditado em 29/07/2021
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