O defunto paquerador

O defunto paquerador (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)

A cidade estava agitada, pois estava sendo velado, no velório municipal, uma das figuras mais populares e também o mais mulherengo que se conhecia. Era o Aristides, um senhor de pouco mais de cinquenta anos. Faleceu de causa desconhecida. Para alívio das mulheres, dos jovens e alguns maridos.

Conta-se que ele era daqueles que mexiam com todas a mulheres, sejam elas casadas, solteiras, adolescentes e até com a dama com idade um pouco mais avançada. Muitos processos contra ele foram registrados. Gastava-se boa parte da fortuna deixada pelos pais em pagamentos de cestas básicas e custas processuais. Vários advogados o defendiam, mas muitos não mais queriam o defender: Era bastante miserável.

O penúltimo advogado a defender-lhe ainda teve que prestar contas à justiça, pois, no dia da audiência, descobriu que o réu havia jogado conversa fiada com a noiva dele. Quando se iniciou a sessão, o jovem advogado recebeu a mensagem da noiva de que o cliente lhe havia convidado para uma conversa na lanchonete da Maria. Ela, porém, muito fiel ao noivo, não lhe deu resposta e foi logo passando a mensagem para o noivo, que estava viajando e somente viu o referido recado no momento da reunião. Ficou furioso e partiu para cima do cliente, com murros, chutes e tapas. A reunião foi suspensa e o jovem advogado foi detido e enfrentou processo na justiça. Quase que perdeu a licença para advogar.

Outros casos foram registrados, mas sempre ele tomava uns bofetões e os fatos iam parar na comarca do município.

Há pouco mais de um ano, foi destacado para cidade um novo delegado de polícia. Casado, pai de uma filha, e tendo a esposa muito bonita e jovem, Aristides foi paquerar com ela. Meiga, educada e não aceitando as frases e palavras do então desconhecido, ela imediatamente relatou o caso ao marido. Ele, munido de sua arma, encontrou com Aristides na rua. Foi-lhe dando várias bofetadas e colocou o cano da arma dentro da boca do homem. Finalmente foi apartado e no dia seguinte foi transferido para outra cidade.

Além de rico, o “Tarado da Cidade”, assim apelidado pelos moradores, tinha muita influência política na região. Influenciava nas decisões dos tribunais, pois tinha muitos amigos dentro dos setores e com ajudinha sempre saia bem. Recompensava-os por crescimento nas carreiras e apadrinhamentos. No final de cada processo, era o pagamento de cestas básicas como forma de cumprir as determinações judiciais. O velho provérbio era escrito: “Tudo se acaba em pizza”.

Assim que a notícia se espalhou do falecimento de Aristides, foi festa, em parte, para muitos maridos, namorados e noivos. Estavam, enfim, livres dos galanteios, dos aborrecimentos e das brigas com o “Tarado da Cidade”. Alguns fogos foram ouvidos nas regiões da cidade.

No velório, muitas pessoas foram lá. De certa forma, foram verificar mesmo se aquele homem estava morto. Bem morto ou “mortinho da silva”, como dizia o poeta da cidade em alguns versos. Ninguém chorava. Exceção para alguns parentes que viviam na capital. Poucos familiares, porém, a cidade em peso compareceu. Abriu-se uma fila para a visita ao corpo.

A primeira a visitar foi a Sra. Mônica, uma senhora mais vivida. Com seus setenta anos, era uma pessoa muito respeitada. Tinha uma força espiritual muito forte. Era médium e sempre trazia uma palavra de conforto para os familiares dos falecidos. Não perdia um velório. Houve época de ficar quase todo o dia para participar dos velórios da cidade. Era muito amada e respeitada.

Assim que abriu a visita, ela sentiu algo diferente. Parou à frente do caixão e ficou por alguns minutos contemplando o defunto. Ali permaneceu por um longo tempo. Ficou assustada e gritou desesperada:

- Eu, com meus mais de setenta anos de idade, sou médium, faço parte da comissão da Igreja para assuntos relacionados à família, nunca vi uma coisa que estou vendo agora.

Continuando, em voz mais firme e desesperada, prosseguiu:

Os que ali estavam presentes ficaram atordoados. Muitos pensavam que a anciã estava com delírios e que a memória não lhe estava funcionando bem.

Por um momento todos ficaram parados. O vigário, aproximando, viu que estava tudo normal. Nada de errado tinha com o corpo velado no caixão e coberto de flores. Até então, o respiro dos presentes estava bem. Ela, porém, disse:

- O defunto está piscando o olho para mim, como se estivesse querendo paquerar comigo...

O espanto foi rápido. Uma admiração geral na plateia.

Um dos maridos que ali estavam disse rapidamente:

- Este pilantra que está aí e se finge de morto merece mais uma peanha bem dada. Desta vez vai para o inferno. Vai aprender com o capeta a mexer com mulher dos outros.

Dirigindo para o lado do caixão, ele foi impedido, mas voltando para o lugar se disse decepcionado e logo foi adentrando no meio das pessoas e desapareceu pela porta. Foi embora e disse que não queria ficar ali, pois parecia um circo toda aquela armação. Foi aplaudido por muitos homens que ali estavam.

Flora, uma linda jovem, ainda solteira, sem namorado, de cabelos louros, olhos verdes, usando óculos escuros, vestida com o belo vestido na cor branca, calçada de sandálias brancas, tendo o corpo todo esculpido pela natureza, foi logo averiguar se a médium mentia. Toda dengosa no andado, passou por perto da urna mortuária. Olhou para o rosto do falecido com muita atenção. Sentiu-se e as pessoas ali presentes viram que os belos cabelos louros arrepiaram e foram erguidos para cima. Com um grito de pavor, ela exclamou:

- Ele, o morto, o Tarado da Cidade, não perdoou o momento da morte. Ele olhou para mim, piscou o olho esquerdo e abriu a boca e me chamou de “gostosa”!

Foi aquele espanto todo. Ela saiu chorando e lá no fundo ouviu a voz do jovem dizendo que iria encher a cara do defunto de porradas. Foi logo se acalmando e sendo segurado pelos outros, ele saiu da sala.

Assim, o fato foi acontecendo com todos os que se aproximavam do caixão.

Para as mulheres, ele piscava o olho e as chamava de “gostosas”. Para os homens, ele abria os olhos e sorria com sarcasmo e dizia “chifrudos”.

O tempo foi passando e a cada visita ia acontecendo os fatos.

Os homens se revoltavam e queriam agredir o defunto. Foi preciso chamar a polícia que guarnecia o finado. Quando um policial olhava para o defunto, ele sorria e dizia “chifrudo”.

Prevendo que poderia acontecer um ato de violência, o vigário chamou o ajudante da funerária e resolveu fechar o caixão e enterrá-lo. Quando estavam fechando o ataúde, o ajudante falou que o defunto o chamou de “chifrudo”.

Enterraram o finado Aristides. Na sepultura, em uma cruz em que se lia o nome, entre aspas estava escrito: Tarado da cidade.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 05/03/2022
Código do texto: T7465897
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